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sexta-feira, 24 de agosto de 2012

A Lei das Cotas e o Samba do Crioulo Doido





Por Zezinho de Caetés

Há algum tempo eu estou debruçado nesta Lei que, aprovada no Congresso, espera a sanção da presidenta, o que todos esperam que ela fará, sem cortes e que trata das cotas sociais e  raciais. Eu já li o texto e espero ainda voltar ao tema, depois. Minha abordagem aqui é apenas para apresentar um texto do Demétrio Magnoli que foi publicado no Estadão no último dia 16, com o título de “’Os amigos do povo’ contra o mérito

Igual a mim e igual a qualquer pessoa de bom senso neste país e que tenha passado pelos bancos de alguma universidade pública, como fiz eu, alguém pode ficar calado diante do absurdo de que a partir desta Lei, 50% das vagas abertas na universidade pública sejam dedicadas aos que tenham uma renda familiar de 1,5 salários mínimos. E aqui, vamos ser condescendentes ao extremo e pensar que nossas escolas públicas sejam as melhores do país e que agora todos com renda iguais ou abaixo deste limite sejam “gênios da raça”, com se diz, e possam entrar na universidade pelos seus próprios méritos (sem perguntar, então por que as cotas?), ainda teríamos algumas questões a levantar.

E aqueles que estudam em escola pública e que tiveram a “má sorte”  de ter uma renda familiar maior do que esta, como ficariam? Teriam ou não direito a competir com os sortudos  cujas famílias ganham menos do que a dele? E lhes dou o meu exemplo, embora um tanto do passado. Eu fui para a escola pública não porque meu pai não podia pagar uma escola privada, e sim porque a escola pública que eu consegui era melhor do que a escola privada (dar-me vontade de fazer trocadilho com privada, mas, deixa para lá).

Mas, o absurdo não termina aí,  comigo (apenas o exemplo) tendo que competir com os outros 50% apenas por ser mais bem aquinhoado. Deste privilegiado grupo de 50% pobres, serão incluídos metade que pertença aos negros, pardos e indígenas. Mais uma vez, eu, por ter a má sorte de ter nascido branco, serei penalizado. E eu não sou índio. E lá vai, hoje, um adolescente branco, que estudou em escola pública, concorrer com os negros, índios e pardos que cursaram um escola privado (pois, há muitos que pertencem a estes grupos na escola privada).

Enfim, o ingresso em nossas universidades públicas virará um verdadeiro samba do crioulo doido, de fazer inveja àquele que conhecemos. É por estas e outras que concordo com a Lucinha Peixoto (ela anda meio sumida, não é?) quando diz que a maior ofensa que ela poderia encarar, seria entrar na universidade por este sistema e correr o risco de alguém apontá-la na rua e dizer:

- Lá vai uma doutora cotista!

Ainda voltarei a este tema, mas, por enquanto fiquem com o texto do jornalista, e eu nem volto, pois irei procurar uma forma de ficar pobre e se possível me tornar pardo ou comprar um cocar de índio. Se a lei pega, dentro de duas gerações todos ganharemos um salário mínimo e pertenceremos a estas etnias. Há quem prefira...

“A assinatura da deputada Nice Lobão ─ campeã em faltas na Câmara e esposa do ministro Edison Lobão, protegido de José Sarney ─ no projeto de lei de cotas nas instituições federais de ensino superior e médio é um desses acasos repletos de significados. Por intermédio de Nice, a nova elite política petista se abraça às elites tradicionais numa santa aliança contra o princípio do mérito. Os aliados exibem o projeto como um reencontro do Brasil consigo mesmo. De um modo perverso, eles têm razão.

Nunca antes uma democracia aprovou lei similar. Nos EUA as políticas de preferências raciais jamais se cristalizaram em reservas de cotas numéricas. Índia e África do Sul reservaram parcelas pequenas das vagas universitárias a grupos populacionais específicos. O Brasil prepara-se para excluir 50% das vagas das instituições federais da concorrência geral, destinando-as a estudantes provenientes de escolas públicas.

O texto votado no Senado, ilustração acabada dos costumes políticos em voga, concilia pelo método da justaposição as demandas dos mais diversos “amigos do povo”. Metade das vagas reservadas contemplará jovens oriundos de famílias com renda não superior a 1,5 salário mínimo. Todas elas, em cada “curso e turno”, serão repartidas em subcotas raciais destinadas a “negros, pardos e indígenas” nas proporções de tais grupos na população do Estado em que se situa a instituição. Uma extravagância final abole os exames gerais, determinando que os cotistas sejam selecionados pelas notas obtidas em suas escolas de origem.

Gueto é o nome do jogo. Só haverá uma espécie viciada de concorrência entre “iguais”: alunos de escolas públicas concorrem entre si, mas não com alunos de escolas privadas. Jovens miseráveis não concorrem com jovens pobres. “Pardos” competem entre si, mas não com “brancos” ou “negros”, detentores de suas próprias cotas. Cada um no seu quadrado: todos têm um lugar ao sol ─ mas o sol que ilumina uns não é o mesmo que ilumina os outros. No fim do arco-íris, cada cotista portará o rótulo de representante de uma minoria oficialmente reconhecida. O “branco” se sentará ao lado do “negro”, do “pardo”, do “indígena”, do “pobre” e do “miserável” ─ e todos, separados, mas iguais, agradecerão a seus padrinhos políticos pela vaga concedida.

Nice Lobão é apenas um detalhe significativo. O projeto reflete um consenso de Estado. Nasce no Congresso, tem o apoio da presidente, que prometeu sancioná-lo, e a bênção prévia do STF, que atirou o princípio da igualdade dos cidadãos à lixeira das formalidades jurídicas ao declarar a constitucionalidade das cotas raciais. O Estado brasileiro desembaraça-se do princípio do mérito alegando que se trata de critério “elitista”. Na verdade, é o avesso disso: a meritocracia difundiu-se no pensamento ocidental com as Luzes, junto com o princípio da igualdade perante a lei, na hora do combate aos critérios aristocráticos de promoção escolar e preenchimento de cargos no serviço público. Naquele contexto, para suprimir a influência do “sangue azul” na constituição das burocracias públicas, nasceram os concursos baseados em exames.

O princípio do mérito não produz, magicamente, a igualdade de oportunidades, mas registra com eficiência as injustiças sociais. Os vestibulares e o Enem revelam as intoleráveis disparidades de qualidade entre escolas privadas e públicas. Entretanto, revelam também que em todos os Estados existem escolas públicas com desempenho similar ao das melhores escolas particulares. A constatação deveria ser o ponto de partida para uma revolução no ensino público destinada a equalizar por cima a qualidade da educação oferecida aos jovens. No lugar disso, a lei de cotas oculta o fracasso do ensino público, evitando o cotejo entre escolas públicas e privadas. Os “amigos do povo” asseguram, pela abolição do mérito, a continuidade do apartheid educacional brasileiro.

O ingresso em massa de cotistas terá impacto devastador nas universidades federais. Por motivos óbvios, elas estão condenadas a espelhar o nível médio das escolas públicas que fornecerão 50% de seus graduandos. Hoje quase todos os reitores das federais funcionam como meros despachantes do poder de turno. Mesmo assim, eles alertam para os efeitos do populismo sem freios. O Brasil queima a meta da excelência na pira de sacrifício dos interesses de curto prazo de sua elite política. Os “amigos do povo” convertem o ensino público superior em ferramenta de mistificação ideológica e fabricação de clientelas eleitorais.

No STF, durante o julgamento das cotas raciais, Marco Aurélio Mello pediu a “generalização” das políticas de cotas. A “lei Lobão” atende ao apelo do juiz que, como seus pares, fulminou o artigo 208 da Constituição, no qual está consagrado o princípio do mérito para o acesso ao ensino superior. Mas a virtual abolição do princípio surtirá efeitos em cascata na esfera do funcionalismo público, que interessa crucialmente à elite política. As próximas leis de cotas tratarão de desmoralizar os concursos públicos nos processos de contratação, nos diversos níveis de governo.

A meritocracia é o alicerce que sustenta as modernas burocracias estatais, traçando limites ao aparelhamento político da administração pública. Escandalosamente, a elite política brasileira reserva para si a prerrogativa de nomear os ocupantes de centenas de milhares de cargos de livre provimento, uma fonte inigualável de poder e corrupção. A ofensiva dos “amigos do povo” contra o princípio do mérito tem a finalidade indireta, mas estratégica, de perpetuar e estender o controle dos partidos sobre a administração pública.

O país do patrimonialismo, do clientelismo, dos amigos e dos favores moderniza sua própria tradição ao se desvencilhar de um efêmero flerte com o princípio do mérito. Nice Lobão é um retrato fiel da elite política remodelada pelo lulismo.”

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