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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O Brasil, a corrupção e a internete





Por Zezinho de Caetés

A desfaçatez na política brasileira chegou ao seu ápice com a eleição de Renan Calheiros à presidência do Senado. Nunca na história deste país se viu tanto descaramento, vindo de todos os lados, de dois poderes da república que deveriam pelo menos ter respeito pelo povo brasileiro.

Depois de um abaixo assinado na internete ter alcançado o número de mais de 1 milhão e meio de assinaturas, pedindo o impeachment do Renan, ele reage com cinismo ao fato, dizendo que isto é coisa de estudante. Eu lá votei e faz tempo que não aliso o traseiro nos bancos escolares. Mas, mesmo se fosse de estudantes e jovens? Já tivemos os “caras pintadas” em outras épocas, que foram muito eficientes.

Hoje a realidade é outra e a internete é um meio que vive causando rebuliços pelo mundo afora. Quem hoje não admite que ela tem muito a ver com a eleição do primeiro presidente negro dos Estados Unidos? E mesmo com a primeira mulher presidenta, no Brasil? Por que não teria com o primeiro presidente do senado retirado pela opinião pública?

Disto trata o bom texto do Fernando Gabeira, publicado no Estadão no dia 16/02/2013, com o sugestivo título de “Não em meu nome”, que transcrevo abaixo. Eu apenas acrescento alguns fatos mais recentes que me levam a crer que a nossa falta de vergonha já chegou à imprensa internacional.

Por exemplo, segundo o próprio Estadão, a revista britânica The Economist, com a qual Dilma costuma discutir, por ela ser verdadeira, chama os políticos brasileiros de “zumbis”, quando diz que eles mantém no poder figuras públicas envolvidas até o pescoço em casos de corrupção, com é o caso exemplar do Renan, durante muito tempo.

A prestigiosa revista ainda chama atenção para a última renúncia de Renan, quando foi acusado de ter despesas pessoais pagas por um lobista de uma construtora. Mas, o pior, segundo a revista foi o apoio de nossa presidenta à sua candidatura, quando apareceu no início do governo como a “faxineira da república”, pela sua rigidez na punição de ministros envolvidos em episódios de corrupção.

Citando os casos de Maluf e Genoino, ambos condenados pelas mesmas práticas nocivas, e que ainda permanecem em seus postos apesar de tudo, conseguindo sobreviver junto com o Renan a “qualquer número de pancadas aparentemente fatais”, ela continua a nos envergonhar, e com razão.

E nós, aqui perto dos acontecimentos, e como brasileiros só temos uma esperança no poder que nos restou, e que coloca a ética num outro patamar, pois lida com a lei, apesar destas não se confudirem, mas devem estar próximas, o Judiciário. Os restantes já estão quase todos dominados e já em campanha para eleger o novo presidente.

Fiquem com o texto do Gabeira e que a internete nos salve a todos, fazendo com que o Corisco se entregue.

“Mais de 1 milhão de pessoas assinaram um manifesto contra Renan Calheiros na presidência do Congresso Nacional. Movimentos como esse têm grande valor simbólico. Equivalem às manifestações modernas em que se protesta contra algo vergonhoso ou sanguinário com cartazes que dizem: “Não em meu nome”.

São bons para mostrar que o País não é homogêneo e que alguns governantes tomam atitudes francamente rejeitadas por milhares de seus conterrâneos.

Em termos internacionais, isso é a notícia. Calheiros passaria em branco se fosse apenas Calheiros com seu rebanho, notas frias, bela amante e um lobista de empreiteira para pagar suas contas. Mas é um presidente do Congresso rejeitado por milhões.

Uso o plural porque o manifesto tem pouco mais de uma semana de vida e muitos que rejeitam a presença dele ainda desconhecem sua existência ou ainda hesitam em manifestar sua rejeição.

O manifesto vai encontrar um poderoso muro de cinismo, com materiais impenetráveis, entre eles a crença da esquerda de que os meios justificam os fins. Essa camada é difícil de atravessar porque se mescla com uma vitimização geral.

Na Venezuela, Hugo Chávez tenta convencer as pessoas de que o capitalismo e o imperialismo são uma boa razão histórica para que um ato nobre não coincida com sua legalidade.

Os textos de Lenin autorizam essa interpretação. Não creio que o PMDB precise de alguma teoria, mas Calheiros mencionou os objetivos nacionais, aos quais a ética deve ser subordinada. Estrangularemos e saquearemos, pois, em nome dos objetivos nacionais, que não foram explicitados porque servem melhor assim, numa forma altamente abstrata.

Sarney disse, em seu discurso, que a paixão pela política e pelo bem comum é maior que a paixão pela vida. Em outras palavras, ele seria capaz de morrer pelo bem comum.

Imagens fora do lugar. Sarney poderia ter dito isso durante a ditadura militar, quando essa frase altissonante poderia ser posta à prova.

Sarney sabe muito bem que hoje, se quiser discutir questões de vida ou morte, deve falar com os médicos no Instituto do Coração ou outros especialistas que cuidam de sua saúde. Passou o tempo do heroísmo, porque, como dizia Brecht, o País já não necessita de heróis.

Outro componente do cinismo é supor que a maioria eleitoral dá direitos ilimitados aos ungidos pelo voto popular. Daí em diante é seguir em frente com a frase de Disraeli nos lábios: “Nunca se queixe, nunca se explique, nunca se desculpe”.

Há um amálgama de Maquiavel, Disraeli, Max Weber mal digerido, pois o sociólogo alemão considerava uma ética totalitária a pura expressão os meios justificam os fins. No fundo mesmo, a substância mais gelatinosa e agregadora da camada de cinismo é o desprezo até pela racionalização. Os fins são a riqueza pessoal, alguns imóveis em Miami, uma fazenda de gado.

Como dizia o poeta, os amigos não avisaram que havia uma revolução. E ela transformou tão radicalmente as relações que frases como a de Disraeli, preferidas como néctar da sabedoria política, se tornam cômicas e ingênuas.

Aos jovens de hoje basta dar alguns toques no computador para saberem, em minutos, tudo o que existe publicado sobre os políticos. Com uma câmera de US$ 400 é possível filmá-los com uma definição quatro vezes maior que o HD de seus televisores. O Congresso, em tempos como o nosso, está na vitrine, como aquelas mulheres do Distrito da Luz Vermelha, em Amsterdã.

Não estou comparando os políticos às prostitutas. Seria injusto para com certos políticos e prostitutas. Digo apenas que ambos estão expostos, elas física, eles virtualmente. Com a bunda de fora, muitos ainda não se deram conta de que estão na vitrine. Não pensam no futuro, na rejeição popular, nos problemas que trazem para suas próprias famílias.

Alguns deles, em breve, não poderão frequentar lugares públicos nas metrópoles brasileiras. Terão de viver uma realidade separada. Seus jatinhos decolam e aterrissam discretamente, seus percursos urbanos serão feitos de helicóptero.

Tornaram-se pássaros e vão flutuar na atmosfera por algum tempo, até que uma tempestade os jogue no chão enlameado.

Imagino o que pensam: nada disso nos derrota nas eleições, temos maioria. Prosseguiremos assim porque, com raros incidentes, sobrevivemos bem ao longo da década.

O que pode acontecer quando um Congresso se degrada ostensivamente em plena era da informação? A escolha de Calheiros e Alves para a direção das Casas do Congresso abre nova etapa, atenuada pelas festas do carnaval.

Já passamos por fases difíceis. Ouço algumas vozes de desespero. Mas a experiência mostrou que, nesses momentos, o importante é não desesperar, não jogar fora o Brasil com a água do banho. Pelo menos 1 milhão de pessoas pensam como nós sobre a escolha de Renan Calheiros. E elas dizem claramente com a assinatura do manifesto: não em meu nome.

Há um Brasil que resiste e nele há espaço e gente suficiente para não nos sentirmos sós e pacientemente encontrarmos uma saída para o impasse.

Alguns novos países, o nosso inclusive, talvez nem tivessem 1 milhão de pessoas quando iniciaram sua trajetória para a independência. Nem havia internet.

Os brasileiros fora do País, que são quase 2 milhões, também podem ser acionados e, de lá, contribuir na campanha contra Renan. Com tantas conexões e a inteligência coletiva em cena, impossível não encontrar os meios de abalar um jovem coronel incrustado no topo de uma instituição nacional.

É um problema novo que vai roubar tempo e energia, mas não a esperança. Vamos a ele, sem desânimo e, se possível, com algum humor.

Depois de eleito, Renan aparece numa foto, em Brasília, com uma espada apontada para seu pescoço. É apenas um efeito visual, desses que acontecem em solenidades militares. Do jeito que olhava a espada, imagino que comece a perceber a trapalhada em que se meteu. Precisamos ajudá-lo a compreender.

No tempo em que eu estava lá, fui o mais explícito possível: se entrega, Corisco.”

Um comentário:

  1. O Zezinho é coeso, direto, contundente igual a um soco no fígado. O cara diz muito em poucas linhas e mata a pau. Uma raridade nesta época de glamorização da burrice e da ignorância. Parabéns!

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