Por Carlos Sena (*)
Estou cansado de ouvir dizerem
por aí: “tenho orgulho de ser nordestino”. Você pode me perguntar: mas, por que
esse “cansaço”? Ora, digo: não se pode ter orgulho de viver numa terra em que o
abandono dos governos perdurou tanto tempo ao ponto de matar pessoas, humilhar
outras, colocar outras tantas no limbo da ignorância. Não se pode ter orgulho
de morrer de sede, digo, de suportar a falta d’água e bebê-la suja ou ir
buscá-la longe mesmo sabendo que lá também ela não há. Não se pode ter orgulho
de viver sob o sol escaldante presenciando o gado morrer, o solo seco
esturricado afastar o povo pra padecer no Sudeste nem sempre maravilha. Não se
pode ter orgulho de ser Nordestino, sabendo que nosso destino sempre foi
roubado pelos poderosos que fizeram da seca uma indústria e até hoje se nutrem
dela. Não se pode ter orgulho de ser de uma região que diante de todas as
contradições teve ainda aquela das mortes de crianças por desnutrição, do pouco
ou quase nenhum investimento em educação; também não se pode ter orgulho de uma
terra em que muitos “morrem na tuia”, mas não deixam seu torrão natal nem a pau
pra ser humilhado noutras terras do país. Aqui ficaram tantos sem nomes –
Marias, Josés, Joões. Suportaram sempre a situação de seca, de falta de
condições dignas de viver – mais por conta da indústria da seca do que por
conta da seca em si. Contudo, ficaram Luiz e Gonzagas, Gilbertos e Freyres,
Alceus e Valenças, Elbas e Ramalhos, Lenines, Jacksons e Pandeiros,
Austregélisos e Ataídes, Dantas e Barretos, Pedros e Laras, Josués e Castros,
Manoeis e Bandeiras, Ascensos e Ferreiras, Joaquins e Nabucos, Castros e
Alvares, Ruis e Barbosas, Josés e Alencares, Josés Lins e Regos, Tantos e
Outros. Você pode me censurar dizendo que esses e outros não ficaram, mas
ficaram sim. Minha dúvida é que sendo inteligentes como são e foram por que
nunca se foram em definitivo. Também será que tinham orgulho de ser nordestino?
Duvido que tenham tido esse orgulho. Isso é coisa de quem se sente nordestino
sendo sudestino, por exemplo. Eu, particularmente, nascido e criado em
Pernambuco, portanto, pernambucano e nordestino da gema, não sinto esse tal
orgulho de que tanto falam. A diferença é que eu e todos os nordestinos mais
que orgulho, não sabemos viver distante daqui. Se um dia precisamos partir, foi
pra melhorar de vida e voltar para modificar a parte em que os políticos nos
tiraram; foi para voltarmos feito a Asa Branca, a despeito de que sempre nos
quiseram meio AÇUM PRETO cego dos óios.
Assim, sem ser Açum, mas sendo
assim vivo, altivo, amante incondicional dessa terra, não outorgo ninguém a
dizer que tem orgulho de ser nordestino. Nem os nordestinos tem que assim
dizer. Quem aqui nasceu sabe do que estou falando. O nordestino é. Pronto. Ter
orgulho me soa mais com uma visão de quem está longe, mesmo sendo nordestino,
mas não interage, concorda e até esconde sua identidade. Agora, que o Nordeste
está mudado, que estamos dando lições ao mundo, todos querem o nosso orgulho.
Fazer o quê? Talvez fosse melhor dizer que “tenho orgulho de ter o meu DNA
nordestino” e não quero perder nem que a vaca tussa.
--------------
(*) Publicado em no Recanto de
Letras 25/10/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário