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quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O RÁDIO AM





Por Carlos Sena (*)

Nos anos 70, ainda estudante universitário, comecei a escutar uma tal de rádio FM. Que rádio é essa, eu me perguntava sempre. Mas, pra não passar por desinformado – eu acabara de vir do interior pra capital Recife – entrei, literalmente, na onda. Lembro bem que uma colega de facul (imitando a linguagem abestada) ia se casar e, no seu rol de presentes ela teria colocado “um rádio de cabeceira” FM. Certo dia, ela me convidou pra ir ao seu apartamento. Ele estava todo prontinho só esperando o dia do casamento para ser habitado. Mas lá já havia um rádio em FM. Que som limpo! Não tinha interferências como nos AM. Detalhe: só musica. Quando vinha alguma voz era aquela eloquente, sonora, cheia de rebusques que invadia nossos ouvidos e quase nos fazia “gozar” de prazer. Mas eu continuava sem entender aquela novidade, pois eu só me dava ao luxo de ter um radinho de pilha AM – aqueles que vinham cobertinhos com uma capinha com zíper, lembram? A marca dele era SHARP. Eu não me desgrudava dele um minuto. Por ele eu sentia a veracidade do slogan “RADIO JORNAL DO COMERCIO: PERNAMBUCO FALANDO PARA O MUNDO”. Futebol? Ah, nem pensar deixá-lo de lado nessa hora. Mesmo quando a gente ia ao estádio (que hoje se chama Arena) tinha que levá-lo a tiracolo. Durante a cheia de 75, foi o radinho de pilha AM quem deu todas as informações acerca de “TAPACURÁ ESTOUROU”. O RECIFE, nessa época e durante o inesquecível boato de que a barragem do Tapacurá houvera estourado, foi ele quem ficou feito “tetéu de bananeira” vinte e quatro horas no ar, informando que não havia barragem estourada nem nada. E que o povo se acalmasse, como se, àquela altura, isso fosse possível. Mas poderia ser pior, não fosse o rádio AM!
Pois bem: de repente a gente teria que trocar o amor velho por um novo! Aí virou a “peste” do momento, o tal do rádio em FM. Eu, particularmente, fiquei super triste, pois eu tinha a certeza que teria que enterrar meu radinho Sharp, diante do sucesso das ondas em Frequência Modulada. O tempo passou, minha colega de turma se casou, separou-se, ganhou o rádio em FM, mas nem esse evitou o fracasso do seu enlace. Finalmente, formado, Sociólogo por uma importante Universidade brasileira, eu permanecia diante do dilema do meu rádio AM, pois recém-formado, ainda sem ganhar bem, eu ainda não podia comprar um da moda, ou seja, o tal rádio em FM.

Agora, tanto tempo supostamente depois, eu continuo ouvindo meu rádio AM! Não me desgrudo dele, embora em cada canto da casa tenha rádio “até de um olho só e com FM”. Como eu, tem muitos, mas só eu me atrevo a dizer que não troco os amores velhos pelos novos. Desde que haja amor! Amor não tem moda, mesmo sendo um amor voltado para pequenas coisas do nosso cotidiano, tal qual um pequeno e simples radinho de pilha em AM. Certamente que tenho os dois, mas as emissoras de FM quando não são evangélicas de ultima, são conversadoras demais – essa era uma coisa boa do passado: as emissoras de FM rodavam muita musica. A expressão “Muita música e pouco papo” surgiu naquela época e dentro dos padrões de frequência modulada. Curto e grosso: o rádio AM está mais vivo do que se pensa. A rádio Jornal do Comercio do Recife, no período da manhã, tem em torno de um milhão de habitantes há quase trinata anos! Eu estou no meio deles, sempre que estou em casa pela manhã.

Pois é. Agora (hoje é sábado do ano de 2012) estou aqui escrevendo isto que você está lendo e, do meu lado, uma seleção de musicas nota dez: Rádio Clube de Pernambuco! Vai de Roberto Carlos a Frank Sinatra; de Valdick e Reginaldo Rossi, a Pavarotti. Evidente que aquele radinho antigo não se fabrica mais, mas o rádio AM cuja morte dele se imaginava decretada com a inserção do FM, não aconteceu. Os dois estão aí, NO AR. Mas nãos e casam nem a pau. É como a polícia civil e militar que ninguém conegue juntá-las, mal comparando.  Deste modo, meu sábado não fica encolhido como poderiam pensar. Ora, meu sábado sou eu e dentro de mim há domingos, segundas e outras terças, quartas, quintas e sextas. Com feiras ou sem elas. Eu sou a minha feira de mangaio, bem de Caruaru, combinante com meu radinho AM. Acho mesmo que, sem exagero, quando o mundo for se acabar, será anunciado por uma emissora em AM, preferencialmente Antes do Meio dia.

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 11/11/2012

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