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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

ÁGUA DE COCO NO CEMITÉRIO.





Por Carlos Sena (*)

 Quase todo dia a gente se reunia para jogar conversa fora. Enquanto muitos não jogam nada fora, nem mesmo conversa, a gente fazia isso sempre. Nossa infância foi assim – meio cheia de simplicidade, mas com atividades lúdicas que até hoje nos rendem lucros. Quando a gente não se encontrava na praça, ou no campo de futebol, era na quadra do Colégio São Geraldo. Quando dava pra rolar uma pelada, tudo bem. Quando não, a gente se danava no mundo. Nada de extraordinário, mas pra nós era como se fosse. Lembro-me de um dia em que a gente foi ao Colégio das Freiras “roubar” coco verde. Nem nos demos conta do horário, pois éramos crianças – misto de crionças, e não tínhamos hábito de ficar grudado em relógio como hoje. Até porque relógio era coisa de rico e nós, mesmo meio que metidinhos a classe média, não andávamos com relógio. Mas, pra que relógio? A gente era meio “jumento”: olhávamos para o sol e dizíamos a hora. Dificilmente a gente errava. Mas, na história dos cocos no Colégio, de repente eis que a gente se encontra sobre o muro do cemitério! Em Bom Conselho, os padres e as freiras não se enterram no cemitério geral não. Talvez porque se achem melhores do que nós, ou não sendo assim, sentem-se mais próximos de Deus para ter essa regalia. Dentro do cemitério, exatamente onde ficam as catacumbas, eis que estavam os pés de coco, cheinhos, "greiando" da nossa cara. Sobre o muro havia um cacho deles quase derrubando o mudo que sobre ele ficava se apoiando. Tentamos com uma vara, como quem cutuca o cão com vara curta, mas nada. Um de nós subiu ao muro e, quando a gente puxou o cacho ele, de tão pesado, caiu com tudo. Mas, pro nosso desespero, a maioria caiu dentro do cemitério. Pensam que a gente não foi buscá-los? Pulamos o muro! Pra nosso azar, a maioria dos bobônicas caiu dentro de catacumbas abertas. E agora? Já passava da meia noite, mas nem nos demos contra disto. Eu mesmo fui buscar uns cocos e com eles vieram ossos de freiras que estavam jogados na tumba aberta. Separei o joio do trigo e levamos pro outro lado do mudo. Fomos beber água de coco no “campinho” que hoje é um centro esportivo. La tomamos tanta água de coco que ainda hoje não sou muito fã delas por conta disso.

Quando a gente se deu por conta da hora, já houvera dado uma da madrugada. Não houve chilique, nem choro, nem vela. Lamentamos, inclusive que naquela noite as freiras pentelhas (sempre tem uma) abrisse uma janelinha e acendesse a luz pra nos botar pra correr, mas não aconteceu. Sequer as freiras que a gente mexeu com seus ossinhos se importou conosco. Foi, de certa maneira, uma frustração, porque a gente fazia isso muito mais pela adrenalina de ver a freira gritar lá de cima e a gente sair correndo livres e soltos, pela relva. O lado bom dessa noite é que no dia seguinte nenhuma freira bateu nossas portas como de costume. Elas faziam isso porque sabiam que nossos pais nos castigavam no coro. O pau cantava pra valer, injustamente. Hoje entendo que foi injusto diante do que vemos fazerem os garotos que, diferente de nós, não tem infância livre, ingênua e feliz. Nós éramos de uma geração tão sem maldade que, certa vez, a gente se reuniu na casa de Adnísio Padilha. Ele, sempre espirituoso, olhou pra Tadeu e disse: “Tadeu, vai olhar se eu estou lá na ponte”. Tadeu foi e a gente ficou rindo dele, coitado. Ele volta e ainda respondeu pra Adnísio: “O Sr não tava lá não”... Viram! Qual a maldade de Tadeu? Nenhuma, mas a educação recebida dos pais para obedecer sempre aos mais velhos. Só que ele exagerou no chá, digamos assim e não levou na galhofa, pois Adnísio era de uma presença de espírito e de um humor impagáveis.

Assim, sempre que a gente se reunia nalgum lugar, coisa boa não ia sair. Certamente uma peraltice vinha a caminho, mas, sem maldade consentida como a gente vê tanto nos dias de tanta modernidade. Modernidade? Eu falei isso? Ah, tá. Desculpem, mas eu prefiro a criação démodé que tive ou que tivemos. De todos os nossos amigos de infância todos deram, digamos assim, “pra gente” através dos estudos. Hoje, passado algum tempo, ninguém fuma maconha, nem rouba, nem é malandro, nem desrespeita os mais velhos. Todos são trabalhadores e a maioria é graduada nas suas profissões acadêmicas. Soube outro dia que andaram cheirando. Quase tive uma síncope. Mas, em tempo, me tranquilizaram dizendo que cheiravam xibiu, digo, xoxota das meninas, mesmo hoje depois de tanto tempo, não necessariamente nessa mesma ordem.

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 02/11/2012. 

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