Por Carlos Sena (*)
Retorno a Brasília como quem
retorna ao limbo. Após quase dez anos, volto como que não quer, mas volto. Aqui
tem isso, quero dizer, a gente não tem querer embora tendo. E é por isto que
fica meio difícil sair do litoral pra ficar por aqui. Ficar aqui é complicado,
mas não é complexo. Complicado porque a gente que aqui não nasceu quando
precisa residir, mesmo por pouco tempo, tem implicações diversas. Uma dessas é
o fato de vir morar numa cidade sem beco, sem boteco, sem manemolência como na
Bahia; sem a astúcia e sagacidade do pernambucano e, naturalmente, sem a
malícia do carioca. Evidente que qualquer cidade tem sua alma, sua calma, sua
perturbação também. Aqui tem muita perturbação e não seria diferente com tantos
políticos pensando iguais quando tem interesse próprio e, diferentes, quando há
desinteresses. Por isso me busquei no “complicado” pela tentativa de explicar o
complexo. Algo mais ou menos assim: o complicado porque romper com uma rotina
de uma cidade que se fez por si par conviver numa cidade que se fez pelos
outros, fica assim mesmo, quero dizer, complicado. Assim, o complexo se torna
vivo na medida em que, no dia a dia, nos rebuscamos nas rotinas desta cidade
tão cheia de mistérios. Mistérios e místicas, talvez pela sua localização no
centro do Brasil, mantendo-se no front do misticismo.
Aqui é tudo muito complexo. Um
simples ato de pegar ônibus é assim, complexo. Há nas pessoas daqui um
sentimento de que aqui não é terra de ninguém porque exatamente é a terra de
todos, no papel de capital federal que desempenha. Esse viés do “complexo”
atravessa, inclusive, nossas expectativas de mundo e de cidade. Priva-cidade.
Há privacidade até demais, desde que se considere o individualismo aqui
galopante. Grosso modo, funciona por essas paragens, a lógica do “cada um por
si e Deus por todos”, mas já foi pior. Se já foi pior está melhor no quesito
descontração e atividades culturais. Talvez a influencia das cidades e capitais
do país tenha dado a Brasília essa nova cara – nem sempre bonita, nem sempre
vestida com roupa de gala, nem sempre com ruge e batom, mas sempre receptiva.
Daqui de onde estou,
descortina-se na minha frente a Praça dos Três Poderes. Com um simples
movimento de rosto vejo a bandeira nacional tremulando; vejo o Palácio do
Governo, da Justiça, o Itamarati, o Congresso Nacional, enfim. Daqui, mais que
sentir o peso, dá pra vê-lo. Brasília não é assim, leve como Rio, descontraída
como Salvador. Pesa no seu visual o concreto armado – pessoas também armadas?
Afinal, o dito concreto armado, para nós que viemos de fora, é apenas um
componente do que chamamos complexo. Diante disso, o complexo dentro de nós que
não somos candangos se estabelece. Afinal é complexa a geometria desta cidade;
é complexa a composição social desta cidade; é complexa a sua veia principal
cheia de eixos e “tesouras”... A vida, nesta cidade, deve ser simples como tudo
que do complicado vira complexo, mas que se torna assim, cristalino como a agua
da fonte; transparente como o céu daqui – famoso e perpétuo.
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 13/11/2012
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