TRAJETO DA SECA

Por Carlos Sena (*)

No trajeto RECIFE X BOM CONSELHO vi bois e vacas mortos pele estrada afora. Vi a terra seca, vi  o clima seco, vi  o pote seco, vi  cacimbas secas. Só não vi gente seca – em cada rosto dos pequenos agricultores havia resquícios de água, rostos molhados de suor, sentimentos úmidos de emoção levando-os às lágrimas por conta da desolação que não ter milho plantado, nem feijão plantado, deixam.

A cena se repete mais uma vez, em plena era do conhecimento.

Há seca pra todo lado. São José  não atendeu às preces. São Francisco por onde andas? Por que tanta delonga com os filhos que te aquece?

Um dia um padre passou fome porque não queria a água do São Francisco irrigando o Nordeste. Cadê esse padre agora, cadê esse filho da peste? Será que pede chuva a Deus ou só é de nós que se esquce? Presidente Lula iniciou, tentou trazer água do velho Chico, mas quase pagou mico. Não deu tempo fazer tudo, mas um pouco-muito ele fez. Agora, com tanta seca, quem vai gritar pelos que não têm vez já que nunca tiveram voz? José Serra? Silas Malafaia? Edir Macido? Alguns padrecos pedófilos católicos?

São José dá-me licença, para o meu lamento passar: viemos para orar, Jesus nasceu para nos salvar.

Que pecado se pode ter por ter nascido na linha do Equador? Aqui tudo é seco, seu moço, por conta da natureza. Sendo Deus ela própria por que dos homens só vem tanta vê tanta avareza?

Tem poder quem pode! Poder legitimo não vem da exploração do povo. Da galinha ao ovo, da pedra ao cinzel, o povo não é besta, sai que é tua Tafarel. O gol do pobre é feijão, macaxeira, milho e educação. Pra que mais seu doutor, por que tanta exploração?  Mas o homem que a gente vota não passa de agiota, vende a boca, vende a bota, vende a mãe e tudo mais pra ganhar eleição.

Bate o sino pequenino, sino de Belém.

Bate o badalo da língua na consciência de quem xinga.

Não tem consciência o prefeito,

Nem o vereador nem o deputado tem.

O governador se agora tem, houve tempo que nunca teve. O presidente que agora tem, houve um tempo que nunca teve. O eleitor que agora tem, houve um tempo que nunca teve...

Agora com a internet, o sertão todo está ligado. Todo mundo tem celular, anda de moto, carrão e cavalo alado. Passa e-mail, por que não? Sertão moderno está plugado, mas na contradição, chuva não vem São Francisco não vem, São José está fechado.

O padre que fez greve de fome contra a transposição agora não dá um "pio". Boca de siri perde. A quem pedir? Somente mesmo a Jesus!

No congresso não há progresso. Lá só se fala em Cachoeira. Aqui a gente quer água,  coisa simples na torneira: vergonha na cara dos políticos pra acabar a industria da seca. São Francisco está chegando, há valas abertas olhando pro céu. Enquanto ele não chega, o gado vai morrendo,

o pasto vai se acabando, 

o povo vai sofrendo, secando, orando, reazando, rogando promessas do céu. Mas “barra” não vem chuva não vem, políticos não vêm que não é tempo de eleição...

No trajeto do Recife a Bom Conselho a natureza dá bons conselhos:

gente boa do meu Nordeste, homens e mulheres cabras da peste, anotem em quem vocês votam, pra não repetir novo erro...  Amanhã será novo dia. Não venda seu voto, nem troque por dentadura. Não queira abraço de tamanduá, não queira nova armadura. Seja livre com seu voto que ele não vale dinheiro não. Valor do voto é moral. Moral do voto é feito anzol: sem peixe pra pescar pra nada serve – vira pintura surreal. Voto se dá de graça e volta pra nós em forma de água na torneira, pasto verde e gado gordo. Escola pros nossos filhos, estribilho da canção cidadã que só através do voto se consegue perenizar.

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 24/05/2012