Por Zé Carlos
No último fim de semana viu um programa de TV chamado “Causos e Cantos”, produzido pela Globo
Nordeste mostrando cantores que, de uma forma ou de outra, se relacionaram com
o Luis Gonzaga, nosso artista maior, de quem se comemora os 100 anos de
nascimento. Alguns eu conhecia e outros não. Entre estes últimos estava uma
cantora chamada Anastacia, que, contando os seu casos, revelou uma faceta do
Rei do Baião que não aparece sempre: sua generosidade.
Ela contou como ele distribuía dentaduras e dava
oportunidades aos menos experientes em sua arte, além de usá-la para alegrar
àqueles mais necessitados. Então, eu lembrei de minha relação como o Luiz
Gonzaga, que começou desde minha meninice e continua até hoje, quando chego ao
choro ao ouvir determinadas músicas por ele gravadas.
Posso até dizer que em minha geração em Bom Conselho, e
dentro de minha classe social, era intensa a relação de todos com o baião que “comia solto” nas festas de ponta de rua,
de onde muitas vezes tive que sair por não ter dinheiro para pagar a “cota”. Para os não aculturados, “cota” era aquele dinheiro que geralmente
o dono da casa cobrava pelo uso do equipamento de som (quase sempre um radiola
ou um sanfoneiro aprendiz) aos dançantes. Digo geralmente porque nem sempre
acontecia isto. Por exemplo, meu pai botava os discos na radiola, deixava a meninada
entrar, dançar, e nunca cobrou cota. Para mim era bom porque eu era o filho do
dono da radiola e pensava ter alguma preferência. Mas, isto nunca me fez um bom
dançarino.
E é a meu pai e ao Luis Gonzaga que agora volto. Meu pai era
cego e eu o seu guia por muito tempo. Numa ocasião, ao sair do trabalho ele
disse para passar na Eletro Confiança que era uma loja do pai do Romilson, meu
amigo, onde se vendiam discos. Assim fazendo ele comprou dois deles e fomos
ambos alegres para casa, ouvi-los, num radiola que ele próprio controlova,
dizendo que eu era ainda pequeno para fazer isto. Ao chegar em casa, eu,
provando que ainda era pequeno mesmo, deixei um dos discos, daqueles duros de
cera de carnaúba, na cadeira onde meu pai sentava. E o desastre, por mim armado
não demorou para acontecer. Meu pai sentou e quebrou o disco. Conto este
episódio aqui (talvez já tenha contado noutro canto) apenas pelo artista do
disco: Luis Gonzaga. Lembro apenas de uma das duas músicas que ele continha, “Riacho do Navio”. Quando a ouço ainda
hoje, lembro do meu pai e de tudo que o artista representou em minha vida.
Continuando minha relação com Luis Gonzaga. Agora já
crescido e já fora de Bom Conselho, fui ao Rio de Janeiro, onde morei um tempo.
Naquela época, década de 70, o Luis Gonzaga, lá no Rio ainda era um artigo
consumido por “baianos” (como eram
conhecidos todos os nordestinos), e por alguns
outros com maior percepção. Foi nesta época que começaram a surgir as pessoas
nordestinas que hoje já fazem parte do mundo artístico, mas naquela época, não
passavam de ilustres desconhecidos, como Fagner, Zé e Elba Ramalho e outros que
se tornaram retirantes, não dirigidos para a construção civil mas, para a arte
da música. Eu, lembro, que um dos meus colegas da república tinha algumas fitas
cassetes do Rei do Baião, que eram disputadas entre os nordestinos que lá
viviam, e eu entre eles. O Rei me ajudou muito em meus estudos pela saudade que
ele matava com suas músicas.
Entretanto, mesmo antes disto, antes de emigrar para o Rio,
eu já havia tido uma experiência que envolveu o artista, embora não diretamente.
Foi quando tive a honra de brigar com meus colegas de trabalho, quando aplicava
questionários de uma pesquisa sobre a seca de 1970, em Exu, para ir entrevistar
o Januário, pai dele. Depois de muita briga fomos todos e conheci o bom
velhinho em seu sítio. As lembranças são poucas, mas, ainda há emoção ao
lembrar.
E voltando ainda mais no tempo, chego à minha maior relação
com o Rei do Baião, que não chegou ao contacto físico, mas, foi visual e seria
mais lembrado se eu tivesse mais idade. Eu não me lembro do ano nem do dia,
mas, assisti a uma apresentação de Luis Gonzaga em Bom Conselho, no Auditório
Rui Barbosa, do Ginásio São Geraldo. Não me peçam detalhes em termos de músicas
ou coisas que vão além da visão de três pessoas vestidas de cangaceiros (um
parece que era anão) e que tocaram para um plateia embevecida.
E foi neste último contacto visual ao vivo que pude constatar
o que a Anastacia disse a respeito da generosidade do Rei. Lembro que, depois
do show ele se dirigiu, com o seu trio, ao Seminário, para fazer um show para
os seminaristas, gratuitamente, apenas com o amor religioso no coração.
Não será demais dizer que foi o Luiz Gonzaga que descobriu o
Nordeste para o restante do país. Sem pretensões políticas conscientes, com sua
generosidade e na luta pela sua sobrevivência, ele soube usar sua arte para
ajudar este país a ser mais uno e coeso em termos regionais e artísticos. Ele
nos transformou de “baianos” em
brasileiros, merecendo todas nossas homenagens, no centenário do seu
nascimento.
CARO ZÉ CARLOS;LEMBRO-ME DAQUELA ÉPOCA,REALMENTE HAVIA UM ANÃO QUE TOCAVA TRIÂNGULO,SE A MINHA SEXAGENÁRIA MEMÓRIA NÃO ME TRAIR, ERA CHAMADO DE "MEIO QUILO".BONS TEMPOS NÃO AMIGÃO ? ERA O FORRÓ AUTÊNTICO E BAIÃO; HOJE É TUDO ELETRÔNICO,QUANTA DIFERENÇA.
ResponderExcluir