Por Carlos Sena (*)
Iniciei uma palestra contando a
seguinte historia: “Dom Helder , no período em que foi obrigado a se calar, por
obediência aos ditadores de 1964, foi procurado por um motorista de taxi no
Recife por muitos anos. O objetivo era ter o Dom como usuário do taxista e,
então, não seria difícil desviar do itinerário e executá-lo bem ao modo dos
ditadores de plantão daquela época. Passado o terrível momento de repressão, já
em plena abertura política, Dom Hélder já falava em público e, tudo indicava,
que ninguém desejava mais vê-lo assassinado. Andando nos arredores da rua das
Fronteiras, onde residia, Dom Helder fez sinal para o taxi e adentrou dentro
dele, como de costume. O motorista ficou “bege” de emoção. Dom Helder sem
entender perguntou se ele estava bem ou o que estava acontecendo. O motorista
respondeu: “passei cinco anos lhe procurando, a mando dos militares, para dar
cabo da sua vida e nunca lhe encontrei. Passado esse tempo todo, eu lhe vejo
diante de mim e fiquei transtornado diante da possibilidade de ter executado
uma pessoa inocente. Passando a mão em sua cabeça, Dom helder respondeu:
"está vendo os poucos cabelos da minha cabeça? São os que me restaram, mas
todos os que caíram foram com o consentimento de Deus. Se ainda desejar, esta é
a oportunidade, não se intimide”. O motorista caiu num pranto e a viagem se deu
em paz.
No final da palestra, um colega
de trabalho que ouvia minha fala, citou uma história parecida com a minha. Meu
colega pegara um taxi e o taxista meio tagarela contou-lhe a seguinte história:
“Certa noite, sua filha de quinze anos ouviu um barulho no quintal da casa e
foi ver o que seria. O pai, com a demora da filha, foi atrás dela. De repente o
pai viu um homem com um revolver na mão”. A filha que também vira, gritou para
o pai: “um ladrão, cuidado”! O homem, então, se vira para a filha e dispara um
tiro, evadindo-se em seguida. A moça ficou paraplégica até hoje. O pai, que
fixara bem a cara do ladrão, jurou pra si mesmo que um dia encontraria aquele
cara e se vingaria. Passados mais de dez anos, em plena Ceasa onde o taxista
teria ido trabalhar, eis que passa um homem conduzindo um saco cheio de coisas
nas costas. O taxista, na hora teve certeza que se tratava daquele ladrão que
atirou em sua filha. Começou a seguir o homem que, por sua vez, sentindo-se
acuado, saiu correndo. Com isto os colegas do taxista sabendo da historia
acompanharam o colega até que juntos
alcançaram o homem. Não houve dúvidas. O taxista disparou todas as balas
do seu revolver deixando o cara mortinho
da silva. Se foi alcançado pela policia, não sei. Se pagou pelo crime, também
ignoramos. Fato é que são histórias parecidas em que numa delas – a de Dom
Helder, sobraram amor e perdão – armas com as quais o nosso Dom nunca deixara
de se conduzir. Na outra, provavelmente sobraram ódio e rancor que a gente não
sabe se com a vingança se acabaram por ali. Afinal, índole é índole, mas mesmo
assim não me arrisco a dar um palpite. Julgar, nestes casos, só aos homens
constituídos e a Deus pela sua singularidade. Afinal, a Cesar o que é de Cesar
e a Deus o que é de Deus.
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 23/05/2012
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