“Mussolini
Por Simon Schwartzman
Para entender os movimentos de
extrema direita que ocorrem hoje, a leitura de M - O Filho do Século, de
Antonio Scurati, recém-publicado pela Editora Intrínseca, que conta a história
do surgimento do fascismo na Itália, é leitura obrigatória. É um romance
documental, que faz lembrar o Romance de Perón, de Tomás Eloy Martinez,
publicado em 1998 pela Companhia das Letras, que merece reedição.
O fascismo surge das cinzas ainda
quentes da 1.ª Guerra Mundial, com seus 11 milhões de mortos. Vitoriosa, mas
economicamente arrasada, a Itália se divide entre um governo liberal, que tenta
reconstituir a economia, e um forte movimento socialista que ganha cada vez
mais força no campo e nas cidades. Todos anseiam pela paz, mas Mussolini, que
havia começado sua carreira como editor do jornal do Partido Socialista,
Avanti!, e sido expulso do partido por defender a entrada na Itália na guerra, decide
abraçar a morte, a violência e o nacionalismo como formas de ação política e
busca do poder.
Seus principais parceiros, no
início, são os remanescentes de uma tropa de elite desmobilizada, os Arditi,
treinados para assassinar os inimigos, que depois da guerra se sentem
frustrados e marginalizados. Scurati os descreve como passando o tempo
embriagados, nos bordéis e envolvidos em atividades criminosas. São eles que
Mussolini conquista pelo seu novo jornal, O Povo da Itália, cujo tema principal
é o ataque aos que se opuseram à participação italiana na guerra, e os organiza
com a criação, em 1919, do Fasci Italiani di Combattimento, os Grupos Italianos
de Combate, simbolizados por uma caveira, que dão início ao movimento e ao
Partido Fascista.
No início, Mussolini e suas
milícias paramilitares são olhados com desprezo tanto pelos liberais, que
controlam o governo nacional, como pelos socialistas, que cada vez mais
controlam os governos locais e ganham espaço no Parlamento. A economia do país
continua estagnada, a Itália não consegue participar da partilha do mundo
colonial feita pelas potências europeias e os Estados Unidos, e o exemplo da
revolução russa inspira entre os socialistas a ideia de que a hora da revolução
italiana também está próxima. Mussolini, no início, ainda tentou manter um
discurso a favor dos operários e camponeses; e compartilhava com os setores
mais radicais do partido socialista a ideia de que o regime político liberal
não servia para nada, os políticos eram, na melhor hipótese, incapazes e na
pior, corruptos, e só uma revolução poderia resolver os problemas do país.
Ambos acreditavam, com Marx e os anarquistas, que a violência era a parteira da
história.
Com o país paralisado por greves
e ocupações sucessivas de terras e fábricas, os fascistas decidem se colocar
como defensores da ordem e, financiados por fazendeiros e empresários, partem
para atacar com violência e desmantelar os movimentos e organizações de
esquerda, ao mesmo tempo que, pelo jornal, Mussolini sobe o tom na defesa da
violência e do nacionalismo como os únicos caminhos para fazer a Itália voltar
aos tempos gloriosos do império de 2 mil anos atrás. Na primeira eleição de que
participam, em 1919, os socialistas e o Partido do Povo Italiano, católico,
conquistam a maioria, os fascistas ficam totalmente marginalizados. Nos dois
anos seguintes, que ficaram conhecidos como o “biênio vermelho”, a crise
econômica se aprofunda, as greves e ocupações de fábricas e fazendas se
multiplicam, o desemprego continua e os fascistas intensificam sua violência,
com assassinatos de líderes populares e destruição das sedes das organizações
locais.
Na eleição de 1921 os fascistas
se aliam aos liberais e ganham, deixando os vários partidos da esquerda na
oposição. No governo, a crise econômica persiste e Mussolini continua
incentivando o terrorismo, com as milícias agora organizadas em esquadrões dos
camisas negras. Em 1922 organiza a “marcha sobre Roma”, em que as milícias
avançam sobre a capital exigindo que Mussolini seja nomeado primeiro-ministro.
O governo hesita, teria sido fácil desmantelar a milícia se o exército
decidisse agir, mas todos temem a confrontação. Na chefia de governo, Mussolini
trabalha para desmontar as instituições democráticas, criando dentro do governo
uma polícia secreta copiada da Cheka de Stalin, para dar continuidade à
violência, e em 1925 assume o poder como ditador.
Mussolini não estava sozinho em
seu assalto à democracia, que incluía gestos teatrais, acordos por debaixo dos
panos, o uso descarado da violência contra os opositores, o uso sistemático da
mentira e a traição constante a antigos companheiros. Tinha a simpatia de
empresários, como Gianni Agnelli, dono da Fiat, e intelectuais e artistas
brilhantes e famosos, como o filósofo Benedetto Croce, o maestro Arturo
Toscanini e sua amante, a aristocrática intelectual judia Margherita Sarfatti.
Para eles, o Duce tinha seus defeitos, mas havia uma causa maior, a recuperação
econômica e a renovação da Itália, que tudo justificavam. Deu no que deu.”
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