“Aprendendo com o mundo animal
Por Bolívar Lamounier
Aproveitei os feriados para
estudar atentamente as serpentes peçonhentas. Estou convencido de que esse é um
bom caminho para entendermos melhor o Brasil – não só as elites, mas grande
parte da sociedade.
Em pelo menos três atributos,
estou seguro de que as referidas serpentes se parecem muito conosco. O primeiro
é que, como nós, elas se acham o máximo. Acreditam ter sido criadas por Deus e
bonitas por natureza. E algumas são de fato maravilhosas, como as corais (a
falsa e a verdadeira), com o lindo tom de vermelho de que se revestem. Devo
também admitir que em certos aspectos elas têm razão. Imaginem um animal que
não tem asas nem pernas e consegue percorrer grandes distâncias, só deslizando,
com grande elegância.
O segundo ponto não é tão
favorável a elas. Todas as serpentes venenosas se julgam poderosas, imbatíveis,
inexoráveis. Aptas a estraçalhar qualquer adversário. Pensam que, sentindo
fome, basta sair para um rápido passeio e... crau! Algum gaiato será servido no
jantar. Mas nesse aspecto elas se enganam redondamente. Mesmo as piores, as
mais fortes, as capazes de inocular um terrível veneno em suas presas,
trucidando-as, também podem ser abatidas por estas, e mesmo, vejam bem, por
pequenos animais. Um engano comum e fatal é o que costuma ocorrer quando uma mamba-negra
enfrenta um mangusto (moongoose em inglês, mangoustin em francês). A
mamba-negra é uma das mais letais que se conhecem. Com cerca de dois metros de
comprimento, é uma máquina de matar. Já o mangusto é um bichinho simpático,
parecido com um cachorro de tamanho médio, com cerca de 50 a 70 centímetros de
comprimento. Tem uma cauda volumosa e um focinho comprido. O que melhor o
distingue, vejam só, são seus hábitos culinários. Não dispensa um pequeno
roedor, mas gosta mesmo é de cobras peçonhentas – como a mamba-negra. Quando os
dois se encontram, ela logo levanta a cabeça, colocando-se em posição de bote.
E ele, vocês acham que conserva uns cinco metros de distância? Qual nada!
Aproxima-se até meio metro e começa a provocá-la. Dá voltas em torno dela, como
se estivesse dançando, vai numa direção e volta na outra, tratando de
desorientá-la. Na verdade, ele está é procurando um flanco, um momento em que
lhe possa desfechar uma mordida pela nuca. A certa altura, irritada e já quase
exasperada, ela perde a paciência e desfere seguidos botes contra ele, errando
todos. Os reflexos e a velocidade do rapaz são incríveis. Quando a mamba-negra
começa a se cansar, o flanco finalmente aparece e ele a liquida com uma só
mordida.
Igualmente instrutivos são os
gatos selvagens, que também habitam as áreas quentes da África e da Ásia. São
comuns nos desertos da Namíbia, por exemplo. Menores que os mangustos, eles são
de certa forma até mais audaciosos, pois se aproximam realmente das cobras e
ficam praticamente parados. O que os distingue é, como direi, um DNA de
boxeador. Com as patas dianteiras, eles desferem um belo soco de cima para
baixo nas serpentes e, quando elas começam a se recuperar, desferem outro com a
outra pata. Depois de 10 ou 15 pancadas como essas, eles cravam os dentes na
cabeça delas, certificando-se de que elas já partiram desta para melhor. Aí
eles pegam o celular e ligam para a patroa, pedindo-lhe para caprichar porque o
jantar vai ser supimpa.
Pois, então, aqui chegamos ao
terceiro ponto, talvez o mais importante para compreendermos nossa política e
nos compreendermos como sociedade. Pouca gente sabe disso, mas todas as cobras
são surdas. Enxergam mal e não ouvem bulhufas. Mas como, indagará meu leitor, e
a poderosa naja indiana, que dança ao som da flauta tocada pelo encantador de
serpentes. Dança nada. Do som da flauta ela não faz a menor ideia. O que ela
faz é acompanhar os movimentos corporais do encantador, sempre em posição de
bote.
O Brasil também – talvez não todo
ele, mas a maioria das elites e das camadas médias – é absolutamente surdo. Aos
congressistas e aos juízes do STF, por exemplo, você pode dizer quantas vezes
quiser que o Brasil precisa urgentemente de reformas muito mais drásticas do
que essas que temos discutido, que acreditar em recuperação econômica se não
conseguimos um crescimento do PIB de sequer 3% ao ano é pura ilusão... Os
ouvidos brasilienses são como os da naja indiana, ou da mamba-negra, ou da
cascavel. Iguais, incuravelmente surdos. Tente dizer-lhes que, crescendo 3% ao
ano, levaremos algo como 30 anos para dobrar nossa pífia renda anual por
habitante. Ou que não estamos investindo nem o mínimo necessário para manter a
infraestrutura. Que não iremos a lugar algum sem uma reforma política séria e
um ministro alfabetizado na Educação. E que os megaproblemas de nossa sociedade
(violência, corrupção...) continuarão a se agravar enquanto não dermos uma
guaribada em nosso aparelho auditivo...
Nessa hipótese, daqui a 15 ou 20
anos estaremos desprotegidos e o jeito será importar mangustos e gatos
selvagens em grande quantidade.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário