“Infraestrutura, entre acertos e
erros
Por Affonso Celso Pastore
Uma das razões para a baixa
produtividade da economia brasileira é a precariedade de nossa infraestrutura.
Com o governo sem recursos, os investimentos têm de ser feitos através de
concessões ao setor privado. Felizmente, o atual governo parece ter entendido
que precisamos de leilões competitivos, com a participação de estrangeiros e
nacionais, forçando o aumento da competição de forma a elevar a eficiência dos
investimentos e evitar a cartelização e a corrupção que se instalaram entre as
grandes construtoras nacionais.
Também entendeu que é preciso ter
agências reguladoras dirigidas por profissionais capacitados e politicamente
independentes, para evitar a exploração do poder de mercado decorrente da
inevitável criação de monopólios naturais, e que exerçam a necessária
vigilância sobre a qualidade dos serviços prestados.
O caminho foi facilitado pelo
ressurgimento do mercado de capitais, devido à eliminação dos subsídios ao
crédito por parte do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social). Uma das especializações do governo Rousseff foi elevar os riscos
regulatórios, como ocorreu com a MP579 e com a suspensão da cobrança de
pedágios sobre os eixos suspensos dos caminhões. Na impossibilidade de
defender-se deste risco, os participantes dos leilões tinham de lutar por taxas
de retorno mais elevadas, que eram impedidas pelo esdrúxulo tabelamento imposto
pelo governo, tornando inevitável que fossem “compensados” com subsídios
através dos empréstimos do BNDES. Com a eliminação do risco regulatório, os
participantes dos leilões têm de se preocupar apenas com os riscos
gerenciáveis, que são inerentes ao seu negócio, e dos quais sabem defender-se.
Um elemento decisivo para o
sucesso deste novo formato é a queda da taxa real de juros de longo prazo. Ela
não se deve apenas à luta do Banco Central para fechar o hiato negativo do PIB
(Produto Interno Bruto) e trazer a inflação de volta à meta, mas também à queda
contínua da taxa neutra de juros, que se acentuou recentemente devido à
expectativa de que o governo prossiga aprovando reformas que levem ao
cumprimento do compromisso com o teto de gastos. Esta não é uma regra fiscal
autoaplicável, e seu cumprimento depende da aprovação de reformas. Progredimos ao
aprovar a reforma da Previdência, e espero que tenhamos sucesso na aprovação de
uma reforma administrativa, mas como ambas são insuficientes outras ações são
necessárias, como a aprovação da PEC emergencial atualmente em discussão no
Congresso. Qualquer erro que coloque em risco o cumprimento do teto de gastos
terá consequências muito negativas sobre a política monetária, elevando os
prêmios de risco nas taxas de juros mais longas, obstruindo o recém-aberto
canal dos empréstimos de longo prazo, e impedindo o sucesso da recuperação
cíclica da economia brasileira.
É devido às baixas taxas de juros
de longo prazo que vem ocorrendo um aumento, ainda pequeno, da demanda por
imóveis. É também devido à abundância destes recursos fornecidos a taxas de
juros baixas que os vencedores – nacionais e estrangeiros – dos leilões de
infraestrutura poderão financiar seus investimentos. Como se sabe, nos
investimentos em infraestrutura a componente de equity é muito pequena, com um
predomínio – por larga margem – do financiamento através de dívida. Como as
receitas das concessões são integralmente em reais e como atualmente o mercado
de capitais é capaz de fornecer recursos abundantes em reais, os estrangeiros
que vencerem os leilões não terão de se preocupar com o risco do descasamento
de moedas, podendo contribuir para o aumento da competição e da eficiência na
construção e administração da infraestrutura. No entanto, se for cometido o
erro de derrubar esta estaca que sustenta o programa de investimentos em
infraestrutura, todo o castelo virá abaixo.
É por isso que vejo com grande
preocupação a pressão para que seja criado um fundo com os recursos vindos das
outorgas, que ficariam fora do teto de gastos, sendo destinado integralmente
aos investimentos em infraestrutura. Uma exceção puxa outra, e sua aprovação
seria um golpe mortal na expectativa de cumprimento do teto de gastos, o que
acarretaria sensível elevação da taxa real de juros de longo prazo, abortando a
sequência de ações que vêm criando um ambiente favorável para os investimentos
em infraestrutura.
A infraestrutura não precisa
desta ideia errada, mas apenas de boas regras, e espero que o governo a
bloqueie e prossiga na rota que vem seguindo até aqui.”
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