“Moralidade e ética
Por Ruy Altenfelder
A Constituição brasileira de 1988
estabeleceu no artigo 37 que a administração pública direta, indireta ou
fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos municípios, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade.
O Estado, como pessoa, é uma
ficção. Não faria sentido falar em Estado ético ou em Estado aético. Éticos ou
aéticos são os seres humanos que integram o Estado.
A administração pública
brasileira, como vimos, submete-se ao princípio da moralidade. O Estado
brasileiro tem a obrigação de se conduzir moralmente por expressa determinação
constitucional. Não poderá transigir com o princípio da moralidade, seja no
desempenho de suas funções primárias e diretas, seja na área de atuação que
assumiu para corresponder à vocação do Estado de bem-estar, seja nas
atribuições ordenatórias e fiscalizatórias da atividade privada. Em tudo isso,
como adverte José Renato Nalini, o poder público pode vir a ser
responsabilizado se não estiver gerindo a coisa comum de maneira eticamente
irrepreensível (cf. José Renato Nalini, Ética Geral e Profissional, pág. 374)
Hely Lopes Meirelles, no seu
clássico livro Direito Administrativo Brasileiro, lembra que a moralidade
administrativa é pressuposto da validade de todo o ato da administração
pública. “O agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de
atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto.
E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não
terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o
conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o
honesto e o desonesto.”
Foi o que inspirou o constituinte
de 1988. Fazer o administrador refletir sobre os aspectos éticos de sua
atuação. Perquirir se a alternativa adotada está conforme com os ditames da
moral, que, por ser administrativa, não precisa ser ontologicamente diversa da
moral coletiva. Ao contrário, o administrador há de refletir os valores de sua
época e não poderá contrariá-los.
O chamado salto qualitativo ético
só virá quando toda a sociedade estiver desperta para a fiscalização do trabalho
do governo. Este, como ressalta Nalini, só se legitima se estiver a serviço do
povo. O mandato do governante foi outorgado pelo povo, titular da soberania.
Ives Gandra da Silva Martins, em
mais um de seus notáveis artigos, lembra que cada brasileiro deve ter
consciência de que o governante está a seu serviço, e não ele a serviço do
governante, e de que é bom governante aquele que tem como meta exclusiva servir
ao cidadão (Folha de S.Paulo, 26/1/1997, pág. 1/3). O Estado precisa encontrar
fórmulas para se relacionar com o povo, retomar o caminho da ética.
Os governantes têm o dever de
zelar pela observância da ética pública, enquanto os cidadãos têm o direito de
exigir e reclamar dos governantes os deveres da ética privada (conteúdos e
condutas).
Em 1999 foi criada no Brasil a
Comissão de Ética Pública, vinculada ao presidente da República, competindo-lhe
dentre outras funções, elaborar o código de conduta das autoridades no âmbito
do Poder Executivo federal.
O código trata de um conjunto de
normas às quais se sujeitam as pessoas que são nomeadas pelo presidente da
República para ocuparem qualquer dos cargos nele previstos, sendo certo que a transgressão
dessas normas não implicará, necessariamente, violação de lei, mas,
principalmente, descumprimento de um compromisso moral e dos padrões
qualitativos estabelecidos para a conduta da alta administração. Em
consequência, a punição prevista é de caráter político: advertência e “censura
ética”. Além disso, é prevista a sugestão de exoneração, dependendo da
gravidade da transgressão.
Como adverte o ex-presidente da
Comissão de Ética Pública Américo Lourenço Masset Lacombe, “tendo a
Constituição juridicizado a ética, esta deixou de ser um conjunto de normas de
conduta voltadas para cada um em particular, pois no centro das considerações
morais da conduta humana está o eu, conforme lição de Hannah Arendt. Passou
assim, a ética a ter status jurídico e interessar diretamente ao Estado, visto
que ele está no centro das considerações jurídicas da conduta humana. A função
de uma comissão de ética pública vai além da obrigação de alertar o Poder
Executivo de eventuais desvios de seus auxiliares. Tem ainda uma função de
afastar o ceticismo e desconfiança da sociedade com os poderes públicos. Para
tanto, deve lutar para que a postura ética impere sobre toda a administração.
Nada pode ser mais nocivo ao desenvolvimento de uma sociedade do que a falta de
confiança nos poderes constituídos, do que a descrença na sua própria
capacidade de superar as dificuldades, do que a falta de amor próprio, de
orgulho do seu passado e de crença no futuro”.”
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