“O Supremo reduzido a moeda de troca da briga eleitoral
Por José Nêumanne
A dois anos e meio da campanha eleitoral em que o sucessor
de Jair Messias Bolsonaro será eleito pela maioria dos cidadãos aptos a votar e
a três do começo do futuro governo, a sucessão em questão está introduzindo no
debate uma novidade insólita e maligna. Pela primeira vez na História cada vez
mais insana desta República, uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) poderá
ser preenchida por interesses eleiçoeiros. O ministro da Justiça e Segurança
Pública, Sergio Moro, entra no páreo não mais para preencher a condição de
jurista de notório saber e reputação ilibada, como exige a ordem constitucional
vigente. Mas por poder representar eventual empecilho a seu chefe e ser, com
certeza, disparado favorito na disputa contra qualquer adversário.]
Durante o ano inteiro de 2019, primeiro da nova legislatura
e também do mandato presidencial, os condenados, acusados, denunciados e
suspeitos de corrupção na cúpula dos três Poderes da República fizeram das
tripas coração para reduzir seu poder. E, se possível, desalojar do cargo de
primeiro escalão o ex-juiz federal que comandou a mais bem-sucedida e popular
operação de combate à corrupção no País. Congressistas sabotaram, primeiro,
suas dez medidas contra o furto levadas ao Legislativo por procuradores. Em
seguida, fizeram o diabo para desidratar as sugestões que o agora chefe da
pasta lhes encaminhou oficialmente sob o nome genérico de fantasia “pacote
anticrime”. Nesse afã, introduziram no texto projeto soprado pelo ministro do
STF Alexandre de Moraes e adotado por Margarete Coelho (do PP de Paulo Maluf no
Piauí governado por Wellington Dias, do PT), presidente da comissão instalada
pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia. Nada disso, contudo,
reduziu em um mísero ponto porcentual a popularidade de quem pretendiam
atingir.
A esquerda, que atribui a Moro a liderança da conspiração
para excluir da disputa eleitoral seu ídolo Lula, recorreu para tanto a um
expediente em que misturou delito com cavilação. Um grupo de estelionatários
habituados a crimes virtuais, hackers de Araraquara (daí o neologismo genial da
colega Cora Rónai, “arararraquers”) invadiu os diálogos de cerca de mil
autoridades, entre as quais o inimigo comum, no aplicativo russo Telegram. E
neles encontrou – em alguns casos, inseriu – diálogos com os quais tentaram
insinuar que o magistrado que condenou seu líder na primeira instância comandou
as ações do Ministério Público em relação ao réu. O resultado, divulgado pelo
site The Interecept Brasil, passou a ser a bola sete para desmoralizar a Lava
Jato.
A conspiração, comandada pelo próprio Lula na chamada sala
“de estado-maior” da Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba,
contou com a ajuda da candidata a vice na chapa do poste 2 do ex-metalúrgico,
Manuela d’Ávila, e os serviços do americano Glenn Greenwald. Este deixou no
condado de Nova York, onde vivia, um rastro de participação em pornografia numa
empresa em que era associado de seu então companheiro e uma prática pouco
recomendável de sonegação de impostos.
O conta-gotas de ácido venenoso usado no estratagema,
efetuado em parceria com a Folha de S.Paulo, a Band News e a revista Veja,
também em nada atingiu o objetivo do truque empregado. Recentes pesquisas de
opinião, inclusive da Datafolha, de uma das empresas parceiras, revelam, ao
contrário, a alta dos índices de popularidade do ministro da Justiça, superando
os do chefe e dos empenhados em derrubá-lo.
O fiasco da invasão criminosa das mensagens telefônicas –
nunca submetidas a perícia – e a constatação de que o inimigo continua fora do
alcance de suas punhaladas parecem ter levado os desafetos políticos do juiz
paranaense a alterar a tática. Isso inclui a mudança de planos do próprio
presidente da República para a indicação do sucessor do decano do STF, Celso de
Mello, em dez meses. É público e notório que ele há muito havia desistido de
indicar Moro para a vaga, sob a falsa alegação de que o Senado não aprovaria. E
já anunciou nomes para essa cadeira e para a que será desocupada no ano que vem
por Marco Aurélio Mello.
Para a primeira Bolsonaro sacou do colete o advogado-geral
da União, André Mendonça, bajulador de Lula e de Dias Toffoli. Para a outra já
foi anunciado o ex-major da PM Jorge Oliveira, “Jorginho” para o clã
presidencial, secretário-geral da Presidência e bacharel em Direito há 13 anos.
A razão para a nomeação foi dada sem subterfúgios pelo deputado Eduardo Bolsonaro:
ele é de todos os pretendentes o mais leal a Jair Messias Bolsonaro.
As duas eventuais indicações seriam o apanágio da decadência
do STF. Mas o próprio chefe do governo já parece ter entendido o recado dos
presidentes do Senado, Davi Alcolumbre, e da Câmara, Rodrigo Maia, de que o
herói do populacho em justiça seria aprovado na sabatina pelos senadores.
Conselhos de interlocutores palacianos parecem ter
convencido o capitão a se livrar e deixar os chefões partidários liberados da
disputa talvez inglória com a eventual presença do nome de Moro na urna
eletrônica em 2022. O custo dessa operação “salve-se quem puder” poderá ser uma
quarentena de seis anos sem disputa nas urnas para o ministro. Será a
confirmação de que Deus escreve certo em linhas tortas?”
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