“A bomba acima de todos
Por William Waack
A ação do governo em torno de um
grande eixo estratégico – reduzir o balofo Estado brasileiro – tem sido em
parte uma lição de oportunidades perdidas. Vendo o Estado brasileiro como
principal entrave ao crescimento, a equipe de Paulo Guedes colocou a reforma
administrativa no centro do foco. Tratar do funcionalismo público seria a
maneira direta de lidar com contas públicas, eficiência e gestão.
O presidente Bolsonaro e o
ministro Paulo Guedes Foto: Dida Sampaio/Estadão
Conforme já assinalado aqui, está
na elite do funcionalismo público brasileiro (especialmente federal), por sua
capacidade de organização e influência, o grande adversário da proposta de
Paulo Guedes de uma ampla reforma do Estado, começando pela administrativa.
Nesse sentido, do ponto de vista político, a operação toda começou mal.
Em parte pelo próprio ministro,
que parece subestimar como se propagam na esfera legislativa e
político-partidária (fortemente influenciada pelo funcionalismo em Brasília)
palavras que ele profere em público sem calcular consequências. Ao adversário
neste momento ele entregou a bandeira de “vítima”, que é nas narrativas
políticas sempre uma posição confortável.
No fundo está, porém, uma outra
questão política mais abrangente e profunda. É o tamanho do empenho do
Executivo em levar adiante de forma coordenada e organizada no Legislativo uma
operação para alterar substancialmente o serviço público, que justamente ali
tem um de seus mais importantes pilares de sustentação. É difícil fugir à
constatação de que o problema central é a dificuldade do próprio presidente em
ditar a agenda política (aliás, seu grande e pouco usado instrumento de poder).
Por detrás da “fumaça” sobre o
campo de batalha da reforma administrativa, está uma realidade crítica. Que
deveria robustecer o governo com argumentos imbatíveis. De fato, existe no
Brasil um “prêmio salarial” pago pelo contribuinte ao servidor público, prêmio
que não encontra comparação nas principais economias.
Os números são de diversas
instituições, como Banco Mundial, FGV ou Ipea, que compararam remunerações nos
setores público e privado levando em consideração a semelhança entre funções.
No Brasil, esse prêmio chega a 96%, enquanto a média mundial (setor público
melhor remunerado que o privado) é de 21%. Nos Estados esse “prêmio” é menor e,
nos municípios, praticamente se equivalem as remunerações.
O problema, assinalam esses
estudos, não está no atendente do posto de saúde ou no agente penitenciário,
mas, sim, na elite do funcionalismo. E vem de longe, não pode ser atribuído a
um só governo. Servidores públicos no topo conseguiram até melhorar seu
rendimento em período de grave crise econômica: durante a recente recessão, a
diferença a favor dessa categoria frente ao setor privado aumentou (segundo o
Ipea). É o resultado evidente alcançado pela sua capacidade de articulação
política.
Em estudos do Banco Mundial, a
equipe de Guedes foi buscar recomendações que parecem sensatas: as mais de 300
carreiras do funcionalismo público brasileiro necessitam ser sistematizadas e
reorganizadas; o tempo médio para que um funcionário chegue ao topo da carreira
precisaria ser esticado; a taxa de reposição deles precisaria ser reduzida. A
situação só se agravou nos últimos tempos. A pressão desse setor sobre as
contas públicas se juntou ao precário estado delas: 12 dos Estados brasileiros
não vão conseguir respeitar um dos dispositivos essenciais da Lei de
Responsabilidade Fiscal, que proíbe gastos acima de 60% com folha de pessoal.
Com o que chegamos à famosa bomba
fiscal – no fundo, o fator central condicionando os acontecimentos. Não é
apenas uma questão técnica. É política no seu significado mais amplo, como
ficou mais uma vez demonstrado para Guedes e Bolsonaro.”
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