“Movimento binário
Por Rosângela Bittar
O ministro Paulo Guedes, sempre
que quer muito uma coisa, acaba por passar pelo risco de, mais do que perdê-la,
ganhar o seu contrário. Repete um comportamento binário: proposta-agressão;
retificação-desculpas. E final feliz, obviamente desgastado e politicamente
enfraquecido para retomar a dianteira da negociação.
Tem dificuldades extremas com as
palavras civis, as nuances do vocabulário corrente. Sua linguagem social não
funciona para a sociedade como funciona para seu público da Economia. Para os
iniciados, a agressividade transforma-se em franqueza e é até admirada, e o
insulto transforma-se em piada de auditório. Para o público em geral, porém, o
ministro passa por agressor gratuito, fanfarrão, boquirroto e desastrado.
Torna-se, desnecessariamente, o enfant terrible do governo.
Até parece acreditar que a
provocação e a ameaça velada são argumentos eficazes numa negociação política.
Não são. Todas as vezes em que se dirigiu ao Congresso para pedir voto
favorável à sua reforma da Previdência acabou por ganhar novos opositores a
ela. Desdenhou dos deputados, defendeu o tudo ou nada.
O presidente da Câmara, por duas
ou três vezes, teve de esperar a fervura baixar para negociar ao modo do
Parlamento a aprovação das medidas que eram também prioritárias para deputados
e senadores.
Sem capitalização não tem
reforma, sentenciara Guedes. Teve. Ou economia de R$ 1 trilhão ou não adianta
nada, advertira. Com R$ 850 bilhões o governo celebrou a vitória e Guedes não
pediu o boné, como ameaçara repetidamente. Foi-se firmando o estilo.
Mas o ministro não aprendeu com
os atrasos provocados pelo seu modelo torto de convencimento. A reforma
administrativa pretende acabar com privilégios (argumento que sensibilizou o
público para as mudanças da Previdência) e reorganizar o Estado, em situação
caótica, dois objetivos que conquistam a sociedade para o apoio à reforma. Mas
Guedes começa agora a negociá-la pelo mesmo caminho, o do confronto antecipado,
recorrendo, inclusive, a uma palavra historicamente maldita nessa arena,
“parasita”.
Se o que pretende é convencer o
Congresso a votar, mais perto de deputados e senadores está o funcionalismo
experimentado na negociação política. Para os servidores e suas lideranças não
bastam os argumentos de que a reforma não atingirá os atuais funcionários nem
os integrantes das carreiras de Estado.
O ministro pode achar, também,
que de forma incisiva e, em alguns momentos, truculenta, conseguirá atingir
seus objetivos. Ou, ainda, não saiba fazer de outro jeito. Fato é que precisa
de um anteparo para a reforma administrativa como teve para a da Previdência.
Nem com o governo Guedes pode
contar. Em dezembro teve de sustar o envio do projeto ao Congresso por
resistência interna. Ministros atingidos não conheciam seus termos e não o
haviam debatido. Guedes prometeu discuti-lo no recesso, mas ainda não o fez.
A Câmara e o Senado querem, de
verdade, debater a reforma administrativa e provavelmente aprová-la, como
aprovaram a trabalhista e a da Previdência e se dispõem a enfrentar a
tributária. Mas o governo, novamente, está atrapalhando. A situação da
administração pública é conhecida e rende uma rica argumentação com base em
números alarmantes.
Alguns deles: O Brasil gasta 14%
do PIB com a máquina, enquanto a União Europeia gasta 9,9%. O número de
servidores cresceu 34% em 15 anos e sua remuneração aumentou, em média, 53%. Em
algumas áreas do governo há 8 níveis hierárquicos, 117 carreiras, 43 planos de
carreira, mais de 2.000 tipos de cargos, 86% de estatutários (com
estabilidade). O Reino Unido tem 6% com estabilidade, só para setores
essenciais.
Não é necessário insultar ninguém
para provar que não dá para continuar como está.”
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