“As viagens de Zé de Abreu
Por Pedro Fernando Nery
Há um ano, o ator José de Abreu
se proclamou presidente do Brasil. Buscava assim ironizar Juan Guaidó,
presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, que havia assumido como
presidente interino daquele país após o ditador Nicolás Maduro ser considerado
ilegítimo pela Assembleia. Passado um ano, José de Abreu anunciou que está de
mudança. Foi satirizado por internautas porque não terá a Venezuela como
destino. Irá para a Nova Zelândia, um paraíso liberal.
“A partir de hoje eu sou o
autodeclarado presidente do Brasil. Igual fizeram na Venezuela”, anunciou José
de Abreu em fevereiro passado. Na verdade, Guaidó é reconhecido presidente
interino pelo Brasil, o Grupo de Lima, os Estados Unidos e a União Europeia –
entre outros. Na última semana, Zé de Abreu corrigiu a imprensa que noticiara
que ele está saindo do Brasil para ir à Nova Zelândia: não está saindo do
Brasil, porque já mora em Paris há anos.
Como presidente, Zé de Abreu
prometeu barrar a reforma da Previdência e revogar a reforma trabalhista. Já a
Nova Zelândia é um exemplo de uma das ideias liberais mais ambiciosas de Paulo
Guedes: a carteira de trabalho verde e amarela, um contrato de trabalho
ultraflexível em que não se aplicaria a CLT atual, e em que os trabalhadores se
sujeitariam a uma Previdência com capitalização. Não haveria contribuição ou
encargo algum sobre a folha de pagamento, também para estimular o emprego
formal.
A Nova Zelândia é um caso raro de
país em que não existe contribuição alguma pela folha de salários. Sequer se
pode falar em déficit da Previdência, porque não há contribuições, e toda a
despesa é paga pelos tributos gerais. Os recursos são capitalizados, e um
gigantesco fundo de pensão administra dezenas de bilhões de dólares no mercado
financeiro. Desde a década passada, novos trabalhadores podem fazer aportes
adicionais, se quiserem benefícios maiores. É o KiwiSaver, uma Previdência
complementar de adesão automática, também de capitalização.
A legislação trabalhista é uma
das mais flexíveis do mundo. No índice Lamrig, aparece como a 2ª mais flexível
entre 144 países – à frente até dos EUA. O Brasil era um dos últimos, o 132º,
no ranking anterior à reforma trabalhista que Zé queria desfazer. Já no ranking
do Instituto Frasier, a Nova Zelândia aparece em 5º lugar, de 162 países – o
Brasil pré-reforma era o 155º. O país é exemplo tão extremo de flexibilidade
dos contratos de trabalho que quase não existem restrições legais a horas
extras ou trabalho no fim de semana, e inexiste aviso prévio.
Nem sempre foi assim. A Nova
Zelândia é um case de amplas reformas liberais, e um exemplo superior ao do
Chile por não experimentar a mazela da desigualdade. Bem descritas por Marcos
Mendes em Por Que É Difícil Fazer Reformas Econômicas no Brasil? (Elsevier,
2019), essas reformas foram empreendidas entre os anos 80 e 90 – aquela época em
que José de Abreu ainda gravava os programas de TV do PSDB.
A Nova Zelândia já ostenta o
mesmo PIB per capita da Itália: em 1990, o italiano era 30% maior. Na
comparação com a Venezuela, a trajetória é marcadamente diferente. A Venezuela
tinha 60% do PIB per capita neozelandês em 1990, proporção que caiu para 25% em
2018, à medida que o país de Guaidó faliu e o de Zé de Abreu prosperou.
A Nova Zelândia lidera o ranking
Doing Business do Banco Mundial, de facilidade de fazer negócios (o Brasil é
124º). Adota há tempos modelos como o de vouchers, em que o governo paga
creches particulares escolhidas pelos pais – proposta mal recebida no Brasil
quando Paulo Guedes a propôs no último encontro de Davos.
E o que mais a Nova Zelândia pode
ensinar? O país segue na vanguarda na formulação de políticas públicas. É um
dos países que paga o benefício universal infantil a todas as famílias com
crianças. O Senado brasileiro aprovou a criação desse benefício no âmbito da
reforma da Previdência. Como apontara a OCDE, a reforma da Previdência não
apenas era o mais urgente elemento do ajuste fiscal, como também uma
oportunidade para tornar o crescimento mais inclusivo com mais gastos nas
crianças (a parcela mais pobre da população). Na Nova Zelândia, a ênfase nesse
público é tal que a primeira-ministra Jacinda Ardern criou um cargo adicional
para si, de ministra para redução da pobreza infantil.
O país também acaba de criar o
“orçamento de bem-estar”, focado no bem-estar intergeracional, diante do
diagnóstico de que o orçamento tradicional tem prioridades “curtoprazistas”. No
orçamento alternativo, destacam-se gastos em sustentabilidade ambiental,
transição tecnológica e investimento na primeira infância. Por aqui, o que há
de próximo é o projeto do deputado Luiz Lima, instituindo o orçamento da
primeira infância. Quando faremos a viagem para a Nova Zelândia?”
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