Por Fernando Gabeira
Há coisas na democracia
brasileiro que não entendo bem. Uma delas é essa possibilidade que o Supremo dá
ao ministro com voto vencido de pedir vista e adiar a decisão da maioria.
Talvez essa dificuldade se explique pelo fato de ter uma experiência
parlamentar, na qual defendi causas minoritárias.
No Parlamento, depois que a
maioria se manifesta, o resultado é proclamado e só resta ao perdedor fazer uma
declaração de votos, o direito de espernear, como dizíamos no plenário. Daí não
entendo por que o ministro Dias Toffoli pode adiar a proclamação de um
resultado indiscutível numericamente. Tenho a impressão de que, se me fosse
dada a chance de bloquear uma decisão majoritária, hesitaria.
De certa forma, eu me sentiria
numa brincadeira que perdeu a graça. Se a maioria não consegue impor uma
decisão majoritária, acaba despertando certa compaixão pela sua fragilidade.
Os defensores do foro
privilegiado já perderam a batalha. Deveriam contentar-se com o choro e abrir
mão de manobras protelatórias. Adiar a decisão apenas atrasa uma experiência
que já foi decidida, no debate pela imprensa, nas redes sociais, nos movimentos
cívicos e nas pesquisas de opinião.
Um grupo minoritário de ministros
do Supremo não pode decidir o que é melhor para nossa experiência democrática.
No Brasil, o atraso é tão entranhado nos costumes que se consagra até o direito
de atrasar, que agora está sendo exercido pelo ministro Toffoli.
Mas não é só desejo de voto mais
pensado. Ele tem algo articulado com os políticos, os principais interessados
em manter o foro privilegiado.
Enquanto o STF pisa no freio, a
Câmara se apressa a votar um projeto no mesmo sentido, restringindo o foro
privilegiado.
Aí pode entrar um gato: a
extensão do foro privilegiado aos ex-presidentes, algo que favorece Temer, Lula
e Dilma, até Collor, quando deixar o mandato de senador. É realmente algo inédito
no mundo: o País que derrubou dois presidentes no período de democratização
conclui que devem ser protegidos também depois do mandato.
Durante o mandato presidencial,
já são de certa forma blindados. Só podem ser processados por crimes
posteriores à sua posse. Assim mesmo, quando são acusados por crimes cometidos
durante o mandato, a investigação é submetida à Câmara, onde a maioria é hostil
à Lava Jato.
Estamos todos atentos, embora a
atenção nem sempre baste para inibir os políticos desesperados. Eles nem se
importam mais com as consequências para a democracia.
As coisas podem não ser tão
simples como se pensa. Num programa de televisão, Gustavo Franco, ao lançar seu
livro sobre a história monetária no Brasil, afirmou que o mercado acha que qualquer
dos candidatos favoritos no momento continuará a reconstruir o País.
No caso do PT, o mercado tem
esperanças de que, vitoriosa, a esquerda volte a se encontrar com a classe
média e abrande sua linha. Não tem sido esse o discurso do PT. Lula afirmou várias
vezes que vai estabelecer o controle social da imprensa. Em quase todas as
análises, a esquerda conclui que foi derrubada porque não soube radicalizar.
Pelo menos no discurso, o caminho
aponta para a Venezuela. Além do mais, tenho minhas dúvidas quanto à
reconciliação com a classe média. Acho, sinceramente, muito improvável, mesmo
com a ampla admissão dos erros e das trapaças.
No caso de Bolsonaro, tudo indica
que caminha para uma visão liberal na economia, dura na repressão ao crime e
conservadora nos costumes. É formula que tenta conciliar o avanço do
capitalismo com as tradições que ele, naturalmente, dissolve na sua expansão
global.
Tanto para os eleitores de Trump
como para os de Bolsonaro, há uma força nostálgica em movimento. Voltar atrás,
no caso americano, explorando carvão, tentando ressuscitar áreas industriais
arruinadas. No caso brasileiro, voltar aos tempos do regime militar, durante o
qual não houve escândalos de corrupção nem a violência urbana.
O Brasil de hoje é muito
diferente do País dos anos 1960. E também não é o mesmo dos anos 1990, quando o
PT chegou ao poder.
O economista Paulo Guedes, que
deverá ser o homem da economia na campanha Bolsonaro, afirmou que, ao se
encontrarem os dois, uniram-se ordem e progresso. Se entendemos por ordem o
combate à corrupção e uma política de segurança eficaz, tudo bem. Mas a
eficácia não se mede pelo número de mortos, e sim pelas mortes evitadas. E o
progresso? Assim como está no lema da Bandeira, é bastante vago. Muitos o
associam ao crescimento econômico.
Mas tanto os marxistas como os
liberais tendem a uma visão religiosa do mundo, abstraem a limitação dos
recursos naturais, algo que envolve todas as espécies. Num contexto de campanha
radicalizada, qualquer das hipóteses terá muita dificuldade em governar um País
dividido. E no processo de reconstrução será preciso encontrar alguns pontos
que unam a Nação para além de sua clivagem ideológica.
Na sua entrevista ao Roda Viva,
Gustavo Franco deu uma pista que me pareceu interessante: ao invés de falarmos
tanto em reformas, sempre empurradas com a barriga, por que não buscar uma
sociedade de inovação? Essa história de deixar as coisas apodrecendo, mas só
mexer nelas em reformas, tem de ser substituída por uma ideia de inovação
permanente.
É esse o mundo em que vivemos. Se
não nos adaptamos a ele, seremos, de certa forma, engolidos.
A campanha eleitoral ainda nem
começou. Fala-se num candidato de centro. De fato, suas chances serão boas. No
entanto, na política não se trabalha apenas com chances, mas também com a
encarnação da proposta, o candidato.
O PSDB, com Alckmin, fala em
choque de capitalismo, algo que vi e ouvi em 98. De choque em choque, vai
acabar a energia. Um mesmo empresário alemão levou 56 dias para abrir uma
empresa em São Paulo e apenas 24 horas para abrir outra nos EUA. Que tal
segurar os fios e experimentar o choque antes de aplicá-lo no País?”
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