POR MERVAL PEREIRA
Considerar que a Lei da Ficha
Limpa é um obstáculo à democracia representativa, pois não permite que um líder
popular como Lula seja julgado pelo eleitor nas urnas, é misturar alhos com
bugalhos, como se uma eleição vitoriosa isentasse o candidato de seus crimes.
O que deveria ser julgado nas
urnas é a vida pública do candidato. Mas
se ela foi usada para cometer crimes contra o patrimônio público, em benefício
próprio ou de terceiros, não há nenhuma justiça em permitir que esse candidato,
que se aproveita da popularidade para enganar seus eleitores e burlar a lei,
continue disputando eleições como maneira de não ser julgado. Não importa
quanto suposto bem-estar esse líder espalhou em sua passagem pelo governo.
Aceitar a tese de que, por ser popular e até
mesmo líder das pesquisas de opinião neste momento, Lula não deveria ser
impedido de concorrer, pois isso tiraria a legitimidade da escolha final, é
submeter as leis à política partidária, o que desvirtua a democracia. A lei é
ou não para todos?
A Lei da Ficha Limpa traça apenas critérios
para que qualquer cidadão possa se candidatar, e os que são condenados em
segunda instância, portanto por um colegiado, não têm mais esse direito. Assim
como menor de 35 anos não pode ser candidato à presidência da República, por
exemplo.
Ao tratar dos direitos políticos,
a Constituição, em seu Capítulo IV, estabelece condições de elegibilidade e
elenca algumas hipóteses de inelegibilidade, além de admitir que novas sejam
definidas em lei complementar, com o intuito de proteger a probidade
administrativa, a moralidade para exercício de mandato e a normalidade e
legitimidade das eleições.
Uma Lei Complementar de
iniciativa popular foi promulgada em 2010 para “incluir hipóteses de
inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade
no exercício do mandato”, a chamada “Lei da Ficha Limpa”. O fato de ser uma
iniciativa popular dá bem a dimensão da decisão, que foi ao encontro do anseio
da sociedade que já àquela altura clamava por barreiras éticas e morais nas
condições de elegibilidade, além das que já estavam incluídas na Constituição,
como a idade mínima, domicílio eleitoral, inscrição partidária, e por aí vai.
Para o Supremo Tribunal Federal
(STF), a Lei da Ficha Limpa é “significativo avanço democrático com o escopo de
viabilizar o banimento da vida pública de pessoas que não atenderiam às
exigências de moralidade e probidade, considerada a vida pregressa”. Evidentemente
as leis não impedem que crimes continuem sendo cometidos, e por isso chega a
ser ingênuo apontar o fato de a corrupção revelada agora pela Operação Lava
Jato ter continuado a acontecer, mesmo depois de sua promulgação, como exemplo
de que a Lei da Ficha Limpa não teve efeito prático.
E se uma decisão da Justiça,
condenando o ex-presidente Lula, for considerada suspeita de politização,
estaremos aceitando que o Estado democrático de direito não funciona entre nós.
O que não passa de uma tentativa canhestra de defesa contra as evidências
passaria a ser uma verdade absoluta.
E por que a Lei da Ficha Limpa, que foi
sancionada pelo próprio Lula na presidência, nunca foi contestada antes? O
ex-presidente tem todo o direito de explorar todas as brechas legais para
tentar manter-se na corrida presidencial de 2018, e se, por qualquer motivo
dentro da legalidade, conseguir chegar até o dia da eleição em condições de ser
votado, o que é muito difícil, e ganhar, terá o direito de assumir a
presidência da República.
Uma República desmoralizada é bem
verdade, que terá o presidente que merece. Assim como se Bolsonaro for eleito.
Uma patética continuidade do ambiente político do governo Temer, que se salvou
do impeachment com manobras fisiológicas dignas de uma republiqueta de bananas,
natureza que será reafirmada caso um caudilho populista condenado em segunda
instância seja alçado novamente ao poder central graças a chicanas jurídicas.
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