“Farol alto, por favor
Por Bolívar Lamounier
Acompanhando pela imprensa a
discussão sobre a forma de governo ideal para o Brasil, eu às vezes choro, às
vezes dou sonoras gargalhadas. E o curioso é que essas duas reações extremas se
dão pela mesma razão.
A maioria dos que intervêm no
debate parece acreditar que o número de formas possíveis e desejáveis é
infinito. Que cada um pode ajuntar como quiser os ingredientes e preparar sua
própria receita. Há uma semelhança com o que se passava em Paris uns tempos
atrás. Cinco ou seis intelectuais se reuniam num restaurante e antes da
terceira taça de vinho já haviam produzido dez ou doze modelos. Eram mais
rápidos na produção de doutrinas que Jesus na de peixes.
O Brasil atual parece disposto a
bater o recorde francês. Um dia discutimos qual é melhor, a democracia ou a
ditadura; no dia seguinte, se a democracia deve ser representativa, direta,
populista ou anárquica – se direta, reunindo o “povo” em estádios, reunindo-o
em conselhos ou ouvindo-o pela internet. Se optarmos pela ditadura, será mister
refletir sobre se o ideal seria a ditadura civil ou a militar, sem partidos,
com um partido só, ou com uns 30 para compor uma boa fachada; se o chefe de
governo deve ser demissível a qualquer momento, sujeito a períodos fixos ou
vitalício. Lendo essa minha introdução, o leitor com certeza concluirá que o
plebiscito de 1993 foi assaz modesto. Naquela oportunidade nos limitamos a
debater se nosso sistema deveria ser presidencialista ou parlamentarista e, no
segundo caso, republicano ou monárquico.
A situação que venho de excogitar
seria engraçada se não fosse um pequeno detalhe. Estamos na segunda década do
século 21, com o mundo inteiro tentando se orientar no labirinto de revoluções
tecnológicas e econômicas, sofrendo com desigualdades, extinção de empregos e
deslocamentos populacionais enormes, e longe de compreender as consequências
políticas e culturais de tudo isso.
Para pôr um pouco de ordem na
discussão, não seria prudente primeiro dar uma espiada no que de fato está
acontecendo no mundo? Realmente, onde tantos enxergam uma desconcertante
mixórdia, penso que só duas alternativas parecem ter consistência. De um lado,
em ascensão, a alternativa asiática. Falo principalmente da China e do Vietnã,
mas não me surpreenderei se a própria Coreia do Norte aderir a ela daqui a
alguns anos. É um modelo extremamente simples. Governo é com o Partido
Comunista, que não brinca em serviço. Controla tudo com mão de ferro. Quem o
criticar ou tentar propagar ideias de liberdade e pluralismo periga levar uns
cinco anos de cadeia, assim, na maior. Mas aí vem o paradoxo. Na economia
prevalece uma espécie de ultraliberalismo. Rédea solta, desregulação total. O
Vietnã é muito mais capitalista que o Brasil. Os empresários que tratem de
empreender, de produzir, de promover o crescimento. É Deng Xiaoping canonizado:
não importa a cor dos gatos, contanto que eles comam ratos.
A segunda alternativa são três:
democracia, democracia e democracia. Refiro-me, naturalmente, à democracia
representativa, modelo predominante no Primeiro Mundo, da qual o Brasil e em
geral a América Latina chegam a vislumbrar alguns elementos. O louco
(individuo, partido, Exército ou “movimento social”) que tentar impor um regime
autocrático a uma sociedade, bem ou mal, avançada e diversificada como a
brasileira com certeza detonará uma crise de fazer inveja aos Chávez e Maduros
da vida.
Suponho ter sido claro, mas vou
reforçar o ponto principal. Quando digo democracia, é lógico que não me refiro
ao cleptopopulismo que chegou ao poder em 2002, aprimorou-se notavelmente durante
os fatídicos seis anos e meio da senhora Rousseff e ainda tem raízes aí bem à
vista. Falo de uma democracia com instituições de verdade, na qual os
assaltantes do erário vejam o sol nascer quadrado e onde a lei, igual para
todos, seja aplicada por um Judiciário que se dê ao respeito, sendo a
impunidade riscada do mapa. Uma democracia na qual partido político deixe de
ser palavrão ou propriedade privada de meia dúzia de caciques, reinstaurando-se
como um tipo de organização dedicado a representar a sociedade, vocalizando e
equacionando a diversidade dos interesses que lhe é inerente.
Sim, claro, posso adivinhar a
reação de muitos de meus eventuais leitores. Isso é utopia. No Brasil não há
como criar instituições sérias. Ou, então, tal modelo pode até ser possível,
mas levará muitas décadas. Permitam-me redarguir que não dispomos de muitas
décadas. Nossa renda anual por habitante é inferior à de Portugal ou à da
Grécia. Provavelmente, vamos levar 20 anos ou mais para atingir o nível de
renda per capita desses dois países e nesse período dificilmente reduziremos
nossas desigualdades ao nível deles.
Resumo da ópera: a democracia
brasileira tem de pegar no tranco. Se não pegar, o cenário que nos espera não é
para almas frágeis. Dizer que somos a sexta ou sétima economia do mundo não é
consolo. O que interessa é que somos mais de 200 milhões, a maioria com índices
educacionais de quinto mundo, incapaz de aproveitar as oportunidades,
sabidamente insuficientes, que somos capazes de criar. Não nos enganemos: sem
instituições políticas e judiciárias dignas do nome, o cenário que se está
esboçando à nossa frente é o de um país fadado à desordem, à violência, quem
sabe até à inviabilidade como entidade nacional.
Se ao fim e ao cabo o leitor acha
que estou sendo catastrofista, que tudo isso não passa de delírio, tudo bem,
refaçamos o percurso sugerido no início do artigo, abrindo bem aberto o leque
de alternativas, quem sabe com ajuda de alguns filósofos franceses da velha
cepa, aos quais não faltavam engenho e arte.”
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AGD comenta:
Não sei o leitor, mas, me parece
que este artigo que transcrevemos parece dizer, em resumo, o seguinte: O Brasil
que o PT criou e queria consolidar levou o país ao desastre quase completo.
E agora não temos mais tempo para
discussão, quando há a possibilidade (mesmo que remota) desse partido voltar ao
poder. Evitemos isto pois em 2018.
Há movimentos nas redes sociais
para não votar em ninguém que tenha sido eleito em eleições passadas. Eu me
contentaria com o movimento de não votar em petista ou mesmo em simpatizantes.
Então farol alto para encandear o
PT, e ver se ele sobra na curva de 2018.
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