“Que tal a corrupção no currículo
de Economia?
Por Rolf Kuntz
Corrupção bem poderia ser uma
disciplina obrigatória na formação de economistas, como micro e macroeconomia,
teoria monetária e econometria. Não seria o caso, obviamente, de proporcionar
treinamento universitário a futuros profissionais da bandalheira, mas de
promover o estudo metódico e a investigação acadêmica de um fato econômico de enorme
importância. Se houver dúvida sobre a relevância do assunto, bastará entrar na
internet, acessar o Fundo Monetário Internacional (FMI) e clicar a palavra
corruption no espaço da pesquisa. A resposta imediata indicará 6.290
documentos, listados em 629 páginas. Contraste: se a palavra inserida for
budget (orçamento), a indicação será de 1.360 documentos, relacionados em 136
páginas. Esses foram os números encontrados na sexta-feira. No mesmo dia, a
seção de blogs, uma das mais interessantes do sítio, publicou um texto da
diretora-gerente do Fundo, Christine Lagarde, sobre o tema. Em 9 de dezembro
teria sido celebrado o Dia Internacional contra a Corrupção. A data foi quase
ignorada no Brasil, mas o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, discursou
num evento organizado no dia 7 pela Controladoria-Geral da União. Ele descreveu
as ações da autoridade monetária para combater lavagem de dinheiro e
financiamento do terrorismo e citou a participação do banco em articulações
nacionais e internacionais para fiscalizar a movimentação e o uso de dinheiro
em ações ilícitas.
Nesse dia, parte importante do
Executivo continuava empenhada em comprar, ops, conquistar, por meio da
persuasão, o apoio da própria base para iniciar a votação da reforma da
Previdência. As negociações e concessões para conseguir a adesão de aliados a
um projeto fundamental do governo já custaram dezenas de bilhões de reais. Esse
dinheirão vem sendo destinado a objetivos incompatíveis, na maior parte, com a
saúde das contas públicas e, além disso, dificilmente justificáveis com base em
critérios de equidade. O bolo inclui, além de outras bondades, a concessão,
muito além dos limites calculados pela equipe econômica, de benefícios a
devedores do Fisco. Trata-se de extorsão de benefícios particulares, com fins
eleitorais, ou, mais simplesmente, de obtenção direta de ganhos financeiros
para os políticos envolvidos e para seus apoiadores.
Não há nada ilegal, à primeira
vista, nesse tipo de extorsão, embora a indecência das negociações seja indisfarçável.
Mesmo sem ilegalidade, no entanto, vale a pena confrontar as consequências
desse tipo de jogo com aquelas mencionadas quando se trata dos acordos entre
corruptos e corruptores.
A diretora-gerente do FMI,
Christine Lagarde, tenta explicar em seu blog por que a corrupção é um problema
tão importante para a instituição. “A razão é simples. A função do FMI é
proteger a estabilidade da economia global e promover crescimento econômico
forte, sustentável, equilibrado e inclusivo. Isso se torna difícil, se não
impossível, na presença da corrupção arraigada e institucionalizada.” A
corrupção, acrescenta Lagarde, torna o governo menos capaz de realizar seu
trabalho e de arrecadar o necessário, agrava os déficits e, além disso,
distorce os gastos. Então, o governo tende a favorecer projetos vinculados a
propinas, em prejuízo daqueles geradores econômicos e sociais.
O assunto foi explorado com mais
detalhes em dois textos sobre corrupção na América Latina publicados em
setembro também na seção de blogs. Os dois artigos são assinados pelo primeiro
vice-diretor-gerente do FMI, David Lipton, juntamente com outros funcionários
da instituição. Os dois textos apontam avanços no combate à corrupção, em
vários países latino-americanos, destacando exemplos como a Operação Lava Jato
e investigações, acusações e mudanças institucionais na Argentina, no Chile, no
Equador, na Guatemala, no México, no Paraguai, no Peru e na República
Dominicana. A única empresa citada nominalmente é a Odebrecht, detalhe
facilmente compreensível quando se considera o alcance multinacional de suas
falcatruas.
Apesar dos progressos, a América
Latina conserva posição de destaque no quadro mundial da corrupção. Mas o ponto
mais importante dos dois blogs é a indicação de ações testadas internacionalmente
e potencialmente úteis contra a corrupção. Independência do Judiciário e da
Procuradoria, liberdade de imprensa, criação de forças-tarefa para casos
especialmente difíceis, rigor nas punições, auditorias aleatórias,
transparência na gestão pública e melhora dos processos de compras são itens
facilmente previsíveis. Mas alguns dos mais importantes para o caso brasileiro
são de outra ordem.
Envolvem mudanças na
administração das empresas controladas pelo governo, revisão das parcerias
público-privadas, proibição de renegociações de contratos no curto prazo,
diminuição da burocracia e eliminação de incentivos perversos, indutores de má
alocação de recursos humanos e de capital. É fácil pensar em exemplos, como o
protecionismo comercial e a distribuição de facilidades fiscais a grupos e
setores privilegiados. Nem sempre é fácil mostrar a ligação entre esses
incentivos e atos de corrupção. Mas, no caso brasileiro, a presença de grupos
corruptores entre os mais beneficiados pelas bondades fiscais e financeiras
deve ser mais que simples casualidade.
O combate à corrupção pode ter
custos elevados no curto prazo, como a insegurança e a paralisação de empresas,
mas há meios de cuidar do problema, observam os autores. Os custos serão
menores se os processos forem menos longos, se houver uma lei de falências
flexível e eficiente e regras claras e práticas para os acordos de leniência e
delação premiada.
Nenhum dos artigos explora o caso
de um país onde as práticas correntes da barganha política produzem os mesmos
efeitos econômicos da corrupção. O Brasil continua merecendo um estudo
especial.”
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AGD comenta
Fui um economista um dia. Estudei
em boas escolas a matéria. Mas, surpreendi-me com o texto acima, querendo introduzir
no curso de Economia a disciplina “corrupção”.
Confesso que, com a situação em que estamos no Brasil, ela seria
muito útil, embora com suas consequências, como tudo na vida, de o que dar para
rir dar para chorar.
Da mesma forma que outras
matérias do currículo de Economia dão o conhecimento para o mau, aos maus, a
disciplina por que não faria o mesmo?
Já pensou o estudante, na festa
de formatura, ao invés de dizer que se
especializaria em Finanças Públicas ou Desenvolvimento Econômica, ele contasse
aos pais que estaria se especializando em “corrupção”?
Bem, isto não tira em nada o
mérito do texto do Kuntz que deve ser lido com grande cuidado, pois, entre nós
a corrupção grassa e já merece mais estudos.
Talvez a primeira turma formada
com esta nova disciplina deveria ter como patrono o Sérgio Moro, ainda nossa
especialista maior, para bem.
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