Por Thiago Santos Lima
Um avião caiu no meio da África. Restaram dois sobreviventes, ambos advogados. Não tendo o que fazer ou por quem esperar, pegaram seus pertences e rumaram sem destino.
De repente, aparece um leão. Um deles devagarzinho se agachou, tirou o sapato e calçou o tênis. O outro, vendo a cena, falou: deixa de ser besta, rapaz, é bem fácil que você vai correr mais que o leão! Ele respondeu: quem disse que quero correr mais que o leão? Só quero correr mais que você!
Direito é um curso ingrato. Porque no ano do vestibular, quando ele é escolhido, todos os familiares e amigos acham a escolha bastante audaciosa e bela. Já, quando a mesma pessoa está prestes a se formar, os mesmos familiares e amigos só não lhe chamam de Barrabás por falta de um Jesus para crucificar. Porque do resto vem de tudo, já que a colocação do anel de rubi no dedo é quase sinônimo de uma espécie de umbanda para doutor, pois parece que os espíritos de Agostinho Carrara, Rolando Lero e Azambuja baixam de uma vez só.
Se se disser que vai ser advogado, automaticamente se herda o sinônimo de enrolão. Se a escolha for pela magistratura, é porque o camarada tem queda para ser deus. Agora, se a decisão enveredar por uma carreira comum dentro do serviço público, pronto!, já disse tudo, é o atestado de quem só quer mamar nas tetas do governo.
Mas, meus amigos, deixemos de lado o que os outros pensam. Estamos na nossa colação de grau e independente do que falarem, agora somos bacharéis em Direito. Que chique!
O problema é que em todo mundo existem 2340 cursos jurídicos, dos quais mais da metade, exatamente 1240, estão no Brasil. No nordeste, há quase 200 e, em Pernambuco, aproximadamente 30. Logo, toda a chiquereza deste momento não é mais tão chique assim, já que hoje formatura em Direito existe mais do que banana na safra. Diferentemente do passado, quando o curso de Direito era quase que um atestado de poder.
Isso acabou, meus nobres! O diploma hoje só me garante dois benefícios: o de ter cela especial, por possuir ensino superior, embora logo essa mamata deva acabar, e o outro é exatamente o de agora pertencer à elite... A elite dos desempregados.
Se por um lado o boom do ensino superior é ótimo para o Brasil, por outro, ele cresceu bagunçado, uma vez que em toda esquina há um varejão chamado de faculdade e a maioria delas adora vender o produto “curso de Direito”, pois neste vem de brinde o diploma, status de doutor e a mínima aptidão de falar sobre o princípio da dignidade humana e sobre a EC n. 45 de 2004.
Todavia, caros presentes, não temo em afirmar que esta turma diverge desta regra. Embora sejamos plenamente cônscios de que o diploma outorgado pelas muitas federais, PUCs e Mackenzie’s da vida trazem bem mais estima do que o nosso, ratifico que a maioria dessas carinhas fofas que aqui colam grau não devem em nada aos melhores alunos das melhores universidades. E sabe por quê? Porque, como disse um destes aqui, o eminente Alexsander de Moura, não há faculdade boa para aluno ruim!
Mas cinco anos se passaram. Passaram até rápido, principalmente para quem está de fora. E após esse tempo, com a convivência de tantos professores meigos e afáveis, como Álvaro, Adônis e Fabiano, bem como depois das provas objetivas de Sabrina, as quais tanto amei, e, ainda, após a esplêndida experiência de escrever a monografia, chegamos ao final do curso, ao menos, com uma formidável certeza: a de que a coisa agora é que está preta!
Atualmente, existem no “stand by” quase 3 milhões de bacharéis em Direito sem OAB. Ainda, a média salarial de um jovem advogado nalgum escritório do Recife varia entre R$ 1000 a R$ 1500 e a maioria não paga o INSS, não dá as férias corretamente e são muito claros em afirmar que se não quiser, tem quem queira.
A sorte é que são poucos os alunos que querem seguir carreira na advocacia. Desde o começo do curso, é notável que 99,99% dos estudantes entraram pensando em ser servidores públicos. A diferença se dá apenas quanto às funções e ao período do curso. Porque no primeiro período todos os alunos serão juízes, promotores ou procuradores. Já do meio para o fim, os alunos querem qualquer emprego que os livrem do setor privado, nem que seja para ajudante do subcarimbador da Comarca de Brejão.
Diante de tudo isso, calma, nada está perdido! Somos plenamente capazes de vencer. Yes, we can! Somo jovens, Joaquim, somos inteligentes e temos um bem que muitas pessoas pagariam caro para tê-lo, que é o tempo, principalmente para errar, se necessário for.
Hoje recebemos o título de bacharel em Direito. O mesmo que um dia foi dado a famosos juristas, políticos e empresários. Um dia foi dado a Jorge Gerdau, a Rui Barbosa, a Barack Obama, assim como a Arnaldo Jabor, a Renato Aragão e a Zé Lezin. O curso quando bem feito traz uma gama de possibilidades de vida que poucos oferecem. Porquanto o aluno sai com uma formação humanista e crítica que só tem a somar à sociedade. Por isso, apesar dos pesares, precisamos, sim, ficar alegres com este momento. Afinal, se tudo der certo – e quero que dê! – nossa formação tem grande chance de nos empurrar para trabalhar coladinhos com a Justiça. E sobre ela é bom tecer alguns comentários.
Há muito tempo atrás, na antiguidade, a Justiça era invocada como divindade. Na Suméria, por exemplo, seu nome era Utu; para os assírios, Shamash ou Samas; na Babilônia, Mandanu; para os egípcios, Ma’at; e no mais conhecido dos mitos, o da Grécia Antiga, ganhara o nome de Thêmis, bem como a forma de mulher, a espada e a balança.
Já para os hebreus a justiça não figurava desta maneira. Para eles, havia um só Deus: Yahweh, o qual quando exaltado pela perfeição de seus decretos e pela extensa misericórdia em seu trato com os homens era louvado como sendo o “Yahweh-Tsedkenu”, que quer dizer “O Senhor é a minha Justiça”.
Em certo tempo do passado, porém, tudo isso se perdeu. Os deuses da justiça sumiram porque não faziam sentido. O Deus dos hebreus foi descartado porque os homens se acharam plenamente aptos a dizerem o que é certo e o que é errado, que tudo na vida é relativo e que não há um padrão universal de Justiça.
Com isso, o Direito ganhou autonomia, insurgiu-se como disciplina bastante e afirmou que só é Direito aquilo que está nas normas, as quais independem de juízo de valor, apenas estão lá, existem e pronto!
Que burrada! Que escolha cara para a humanidade! Foi por pensar assim que juristas ajudaram a construir as piores barbaridades da Terra. Pois a idéia de raça superior, propugnada por Hitler, se tornou uma norma jurídica. A matança de divergentes políticos nas repúblicas socialistas era lei. A separação de espaços para brancos e negros nos Estados Unidos também era legal. E a escravidão, que fora tolerada por milhares de anos, inclusive no Brasil?
Agora, ao fim do curso, analisando tantas idiotices e vergonhas que foram elevadas a categoria de Direito, resta a todos os formandos de hoje e do futuro a assumirem um novo compromisso de vida, o qual não está restrito ao mundinho jurídico, nem muito menos as várias noções de Direito que cada um acalenta dentro de si. Antes, é um compromisso bastante simples e objetivo...
Os economistas mais humanos têm insistido sobre a premência de revisar dados de riqueza nacional. Não adianta acumular tanta riqueza se quem lhes desfruta está triste. Os modernos pensadores da economia asseveram que os países ricos não são necessariamente os mais felizes. De acordo com Fundação Nova Economia, uma ONG inglesa, dos dez países mais felizes do mundo nove estão na América Latina.
Imagine só: os economistas estão falando sobre felicidade! Interessante. Pensávamos que isso era papo só de psicólogo. No máximo, tangenciava a nossa ciência somente quando o princípio da dignidade humana era lembrado.
Isso quer dizer, meus queridos amigos, que a felicidade está entrando em extinção. Se fosse um bicho, quem tivesse seria preso pelo IBAMA. Se fosse produto, seu valor no mercado estaria alto. E se ser feliz fosse crime, dele os delegados não se queixariam.
Os profissionais do Direito, em matéria de felicidade, ainda estão na Idade da Pedra. Pensam que ela só tem a ver dentro das aulas de Direitos Humanos ou Direito Constitucional, exatamente no ponto da dignidade humana. Ou ainda pior, nem nelas encontram mais espaço; virou mera discussão acadêmica.
Assim, doutores, para a coisa não ficar muito vaga, falarei em bom juridiquês para vossas senhorias.
É urgente celebrarmos uma obrigação, um negócio jurídico talvez. Seu nome é Contrato de Compromisso Com a Felicidade Humana, no qual seremos os contratados, elevaremos todas as pessoas à posição de contratantes, colocaremos como objeto a felicidade, será de adesão, com prazo indeterminado ou em quanto durar nossas vidas, personalíssimo, irrevogável, irretratável, de execução imediata e firmado na boa-fé subjetiva e objetiva. Não será necessário reconhecimento de firma, já que não será escrito. Requer somente o compromisso de fazê-lo valer.
É simples, porém amplo. É abstrato, porém plenamente passível de concretização. É eterno, porém alcançável para os meros mortais. Porque ser feliz é o que todo mundo quer; e nós, como profissionais do Direito, temos um instrumento maravilhoso para cumprirmos esta obrigação: o próprio Direito, quando lutarmos por normas justas, por processos ágeis e pela redução da pompa jurídica que tanto separa as pessoas do Judiciário. Com isso, descobre-se que pessoas de terno, blazers, togas, livros e códigos grossos são também capazes de promover sorrisos.
Ano passado, o Senador Cristovam Buarque lançou um projeto de emenda à Constituição para integrar a felicidade como um direito social. Digo que é desnecessário. Muito gasto, muita discussão para uma idéia que já clara. Porque se ainda não nos convencemos que todos devem ser felizes a uma altura dessas, após tantas lutas contra os déspotas, contra a escravidão, contra a aflição do mercado, não será, definitivamente, a Constituição que o fará.
Vossas senhorias crêem? Espero.
No mais, um forte abraço, um forte beijo e, lógico, toda felicidade do mundo!
Obrigado!
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(*) Discurso proferido pelo nosso colaborador Thiago Santos Lima, como orador da colação de grau de sua turma no Curso de Direito em janeiro de 2011.
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