Em manutenção!!!

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

HISTÓRIAS DE GENTE DADA





 Por Carlos Sena (*)

 Na minha terra tinha muitas histórias hilárias. Histórias de mulheres “gaieiras” e de homens cornos. Histórias de meninos que comiam meninos e meninas que não comiam ninguém. Histórias de homens que comiam todas as meninas, mas davam a todos os meninos e de meninos que fingiam que comiam todas, mas davam aos meninos por prazer. Histórias que ninguém provava que aconteceram, mas era como se assim tivessem existido. Histórias de toda cidade, principalmente do interior. Foi nessa riqueza de conjugação do verbo dar que eu me criei. Nem sabia que aquilo tudo tinha outras conotações, mas sabia que alguém dava e que alguém comia. O quê? O outro. O outro menino ou a outra menina e vice versa. Lembro que tinha um rapaz que dava sem pestanejar e sem muita insistência. Um belo dia ele disse a um dos seus “clientes”: não dou mais! E não deu. Todos ficaram boquiabertos com a decisão. Muitos comentavam que era uma questão de dias, pois não existe ex viado, ex-fresco, como se dizia por lá. Na minha terra não existia essa história de gay. O que rolava por lá era as denominações de “falso a bandeira”, “fresco”, “frango”. Principalmente frango. Lembro-me de um dia que uma senhora de mais ou menos oitenta anos ficou esperando, ansiosa, o filho chegar do trabalho. Mal ele adentra em casa e ela pergunta aos prantos: “meu filho, acabei de saber que você é frango. A vizinha me disse isto”... Ele respondeu na inhanha: “mãe a senhora é galinha”? Claro que não, respondeu. Então como é que sou frango? É mesmo não é filho? E tudo ficou por ali mais ou menos esclarecido. O mais ou menos é porque, de fato, dizem que o rapaz era “falso à bandeira”. Voltando ao frango que decidiu não dar mais, eis o que aconteceu de verdade: ele ficou rapaz feito, arrumou uma mulher, noivou e casou. Hoje está cheio de filhos e netos. Dizem que depois de sua decisão teria dito: “Se um dia dei por uma bolacha, hoje não dou por uma padaria”... E assim aconteceu. Prova de que sexualidade é complicada e nunca deixará de ser, senão não seria sexualidade.

No campo das gaias, minha terra não ficou por menos, nem por mais. Também não ficou por mais nem por menos nas questões das mulheres sérias e dos homens trabalhadores. Empate e pronto. Minha terra é feliz pela capacidade dos homens e das mulheres serem felizes dos seus jeitos próprios. Em cada esquina um canto. Em cada canto uma esquina a ser lembrada. Em cada lembrança uma comemoração e em cada comemoração um silêncio de cumplicidade...

--------------------
(*) Publicado no Recanto de Letras em 22/08/2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário