Por Carlos Sena (*)
Na minha terra tinha muitas histórias
hilárias. Histórias de mulheres “gaieiras” e de homens cornos. Histórias de
meninos que comiam meninos e meninas que não comiam ninguém. Histórias de
homens que comiam todas as meninas, mas davam a todos os meninos e de meninos
que fingiam que comiam todas, mas davam aos meninos por prazer. Histórias que
ninguém provava que aconteceram, mas era como se assim tivessem existido.
Histórias de toda cidade, principalmente do interior. Foi nessa riqueza de
conjugação do verbo dar que eu me criei. Nem sabia que aquilo tudo tinha outras
conotações, mas sabia que alguém dava e que alguém comia. O quê? O outro. O
outro menino ou a outra menina e vice versa. Lembro que tinha um rapaz que dava
sem pestanejar e sem muita insistência. Um belo dia ele disse a um dos seus
“clientes”: não dou mais! E não deu. Todos ficaram boquiabertos com a decisão.
Muitos comentavam que era uma questão de dias, pois não existe ex viado,
ex-fresco, como se dizia por lá. Na minha terra não existia essa história de
gay. O que rolava por lá era as denominações de “falso a bandeira”, “fresco”,
“frango”. Principalmente frango. Lembro-me de um dia que uma senhora de mais ou
menos oitenta anos ficou esperando, ansiosa, o filho chegar do trabalho. Mal
ele adentra em casa e ela pergunta aos prantos: “meu filho, acabei de saber que
você é frango. A vizinha me disse isto”... Ele respondeu na inhanha: “mãe a
senhora é galinha”? Claro que não, respondeu. Então como é que sou frango? É
mesmo não é filho? E tudo ficou por ali mais ou menos esclarecido. O mais ou
menos é porque, de fato, dizem que o rapaz era “falso à bandeira”. Voltando ao
frango que decidiu não dar mais, eis o que aconteceu de verdade: ele ficou
rapaz feito, arrumou uma mulher, noivou e casou. Hoje está cheio de filhos e
netos. Dizem que depois de sua decisão teria dito: “Se um dia dei por uma
bolacha, hoje não dou por uma padaria”... E assim aconteceu. Prova de que
sexualidade é complicada e nunca deixará de ser, senão não seria sexualidade.
No campo das gaias, minha terra
não ficou por menos, nem por mais. Também não ficou por mais nem por menos nas
questões das mulheres sérias e dos homens trabalhadores. Empate e pronto. Minha
terra é feliz pela capacidade dos homens e das mulheres serem felizes dos seus
jeitos próprios. Em cada esquina um canto. Em cada canto uma esquina a ser
lembrada. Em cada lembrança uma comemoração e em cada comemoração um silêncio
de cumplicidade...
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(*) Publicado no Recanto de
Letras em 22/08/2012
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