POR CARLOS SENA (*)
Meu pai foi um pai a moda antiga,
se é que assim um PAI pode ser. Certo que pai é pai, paca é paca e vaca é vaca.
Seguindo a moda da maioria dos pais da época do meu, bater nos filhos fazia
parte do papel de pai. Hoje também faz, mas se bate menos, principalmente por
conta da celeuma da “lei contra palmadas”. Meu pai não dava palmadas. Ele dava
surra mesmo, pisa, cacete, bofete, tabefe. Uma grande pisa que meu pai me deu
foi quando ele me viu na praça usando uma “sandália japonesa” – hoje conhecida
como havaiana. Afinal, sandália não era coisa de homem, assim era a cultura da
época. Também homem não usava cabelo grande, pois como nos lembrou Luiz
Gonzaga, “cabeludo tem vez não”! Voltemos à surra: eu estava na praça da
cidade, no “quadro” como ele mesmo chamava, quando, calçado em minha sandália
japonesa, eis que ele passa sobranceiro no outro lado da calçada e me vê usando
as benditas sandálias. Caladinho, meu pai foi embora já sabendo que na hora do
almoço acertaria as contas comigo. Não deu outra: ele chega em casa e, súbito,
me arrasta pelos cabelos e “tome-lhe cacete”, “tome-lhe porrada”. Minha mãe
tentava interceder, mas, coitada, não tinha como enfrentar o homem da casa, o
provedor, o machão das tapiocas... Não bastava apenas o cacete. Chorar também
eu não podia, pois, na medida em que ele batia também mandava “engolir o
choro”... Enquanto eu ficava no misto de chorar e engolir o choro ele pegou uma
faca e cortou minha sandália em mil pedacinhos.
A vida segue seu ritmo normal. Eu
fui estudar no Recife e “vencer” na vida, era como se dizia na época. Se venci
na vida não sei, pois prefiro dizer que fui feliz na vida e continuo sendo.
Vencer na vida me parece querer dizer que a gente briga com ela até vencer. Na
verdade a gente não briga, a gente busca objetivos na vida e, diante dos
percalços naturais, há quem alcance e quem não. Digamos que alcancei. Já
estabilizado na vida, mandei buscar minha família. Em Recife retomamos,
novamente, a nossa família, mas meu pai já estava muito mudado. Parece que a
modernidade lhe abriu os olhos e logo ele se adaptou muito bem aos novos
costumes...
Certo dia ele adoece. Um tumor na
cabeça! Era grave, mas não foi câncer. Contudo, ele teve que colocar uma
válvula dentro da cabeça, mas isto causou complicações por conta de uma meningite
braba que se instalara. Meu pai piorou e teve que ser reoperado. O hospital me
liga dando essa notícia e eu corro às pressas para o NEURO. Esbaforido,
adentrei no apartamento esperando ainda o encontrar na cama, mas o que
encontro? A cama vazia. A escadinha que dava acesso a ela, estava lá solitária.
Só não havia mais solidão porque o par de sandálias havaianas que meu pai não
tirava dos pés estava lá, esperando sua volta que, infelizmente não
aconteceu...
PS.: Meu pai batia muito em mim e
nos meus irmãos. Hoje, dos nove filhos (oito vivos), não há um só que reclame
das surras. Todos trabalham, são honestos, não fumam maconha, nem cheiram
cocaína, nem vivem se queixando de frustrações, recalques, etc., que tenham
vindo na “fatura” das nossas pisas, puxões de orelhas...
Minha avó um dia chegou exato no
momento em que ele me batia. Eu chamei por ela, mas ela apenas respondia:
“poucas e boa devagar que doa”... Só deviam ser devagar, mas valeram mesmo
assim...
--------------------
(*) Publicado no Recanto de
Letras em 11/08/2012
PARABÉNS PELA MATÉRIA CARLOS SENA, AONDE RETRATAS COM FIDELIDADE UM AUTO RETRATO SEM RETOQUES, QUANDO OS FILHOS TEMIAM E RESPEITAVAM OS PAIS;TAMBÉM TIVE UM PAI QUE AMEI E RESPEITEI, E O ENTENDIA ATÉ EM OLHAR SEVERO. NA ÉPOCA SABÍAMOS PEDIR A BENÇÃO,RESPEITAR OS MAIS VELHOS, E NINGUÉM OUSAVA RESPONDER PAI E MÃE. E A VIOLÊNCIA ERA COISA RARA;BONS TEMPOS VIVEMOS AMIGOS,QUANTAS SAUDADES DE NOSSOS GENITORES QUE NOS SOUBERAM ENCAMINHAR NA ESTRADA LONGA DA VIDA.
ResponderExcluirSó um porém, meus amigos. Temer e respeitar são coisas distintas. O respeito vem através das conquistas, da admiração e do bom exemplo. Já o temor vem do medo, do autoritarismo, e isso gera revolta.
ResponderExcluir