“Triste Brasil
Por Elio Gaspari
Atribui-se ao professor San Tiago
Dantas uma observação mortífera: “A Índia tem uma grande elite e um povo de
merda, o Brasil tem um grande povo e uma elite de merda”. Com certeza, San
Tiago disse que “vem se processando há séculos no Brasil um trabalho social de
contínua desorientação das ‘elites’, que as vai afastando do exame cultural e
político dos valores nacionais.” No discurso de posse que não viveu para ler,
Tancredo Neves disse a mesma coisa: “Temos construído esta Nação com êxitos e
dificuldades, mas não há dúvida, para quem saiba examinar a História com
isenção, de que o nosso progresso político deveu-se mais à força reivindicadora
dos homens do povo do que à consciência das elites.”
Nunca a elite nacional ofereceu
um triste episódio como o que os Três Poderes da República e boa parte do andar
de cima vêm oferecendo diante da epidemia. (Ressalvada a doação de R$ 1 bilhão
pelo Itaú Unibanco, a maior da história nacional.)
O Brasil foi um dos últimos
países a abolir a escravidão. O século 20 teve 36 anos de ditaduras. Em 1978 o
supermercado Carrefour foi expulso da Associação de Supermercados do Rio porque
aceitava cartões de crédito. A ponte aérea Rio-São Paulo levou anos para dar
aos seus passageiros acesso a programas de milhagem que existiam há mais de uma
década. Os fazendeiros que insistiram em comprar escravos empobreceram. O
supermercado que liderou a expulsão do Carrefour sumiu, e o oligopólio das
aéreas foi à garra.
Sendo velho, o atraso poderia ter
aprendido. Já morreram mais de mil pessoas e o oportunismo epidêmico do andar
de cima agravou-se. O presidente da República diz que a Covid é uma gripezinha,
afrontando a Ciência e a opinião pública. O ministro da Saúde é hostilizado
pela charanga do Planalto porque defende o isolamento. Os inimigos de Bolsonaro
passaram a ser seu ministro e os governadores de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Já à Covid, que está matando gente, ele deu compreensão. Do outro lado do
balcão, a Câmara aprovou um pacote de ajuda aos estados que é visto como uma
bomba fiscal, e o ministro da Economia avisa que o Executivo deverá vetá-lo.
Empresários beneficiados pelos programas federais provisórios defendem sua
transformação em mimos permanentes. Fazem tudo isso sabendo que depois da
epidemia virá a recessão.
É como se o Brasil tivesse virado
um grande pernil e cada um vai lá para tirar sua fatia. Admita-se que todos têm
razão, inclusive Bolsonaro com sua gripezinha. Se cada um continuar gritando,
quem ganha é a Covid. Os barões da medicina privada querem falar de tudo, menos
do colapso de hospitais do SUS (que está carregando o piano). Falta que essas
duas turmas conversem, partindo de uma premissa: “Eu não quero te quebrar, mas
você não pode querer me matar”.
Todos os lados acham que têm
razão, mas não conseguem conversar. À primeira vista pode-se achar que isso se
deve à polarização bolsonariana. É pouco. Em 1830 o deputado Antônio Ferreira
França apresentou um projeto de abolição gradual da escravidão. Ela acabaria em
1851. Acabou em 1888 porque havia gente interessada nisso.
Há hospitais públicos recusando-se
a admitir pacientes. Por quê? Porque chegam mortos.”
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