“A guerra dos trouxas
Por Fernão Lara Mesquita
Pobreza: teu nome é
privilegiatura.
Desigualdade de renda: teu nome é
privilegiatura.
Favela: teu nome é
privilegiatura.
Colapso do sistema de saúde: teu
nome é privilegiatura...
A lista poderia ir longe. Todo
mundo sabe onde sobra o dinheiro que falta em todos os outros lugares do
Brasil.
O que mais mata nesta epidemia, é
bom não esquecer, é a falta de hospitais, equipamentos e testes. Na Itália, na
Espanha, nos Estados Unidos, onde quer que se olhe, com raríssimas exceções, é
aí que mora o fantasma. No Brasil a comparação entre hospitais públicos e
privados indica que o retardamento do início do tratamento está matando mais
ainda. Era tal o medo do colapso do sistema de saúde - que, de resto, já era
crônico - que o principal foco da campanha no início da epidemia do coronavírus
foi: “Não vá para o hospital ao primeiro sintoma. Lá é o melhor lugar para você
pegar o corona. Espere sintomas como febre e falta de ar”...
Passado o pico da epidemia nas
classes mais altas, que importaram a doença para o Brasil, o resultado desse
“erro de comunicação” aparece trágico na disparidade chocante dos números dos
hospitais públicos e privados. O Sírio-Libanês, com mais de 300 casos tratados,
só perdeu um paciente. O Einstein, com mais de 400, só perdeu um paciente. Nos
hospitais públicos os tratamentos são basicamente os mesmos, mas “as pessoas
estão chegando mortas ou quase mortas”. Existe a trágica exceção do Sancta
Maggiore.
Dedicado exclusivamente a idosos,
foi lá que morreu metade dos pacientes perdidos na cidade de São Paulo. Mas na
rede pública o principal fator de perda de pacientes tem sido o atraso no
início do tratamento. Aumentou a mortalidade até por outras causas, pois as
pessoas estão esperando até ser tarde demais para procurar esses “antros de
contaminação pela covid-19”.
A quarentena, sempre é bom
lembrar, não evita definitivamente a contaminação nem “salva vidas”
diretamente, ela apenas espalha esses eventos no tempo. O que ela evita, sim, é
o colapso dos sistemas públicos de saúde e o flagrante dos responsáveis por
ele. A epidemia mesmo só refluirá quando cumprir o seu ciclo, isto é, quando
contaminar e imunizar mais da metade da população e os números de baixas aos
hospitais e aos túmulos começarem a diminuir naturalmente.
O “outro lado” dessa epidemia é,
porém, bem menos “democrático” que aquele que corre só por conta do vírus. E
nele se embalam os mais variados tipos de delírio. Gente como o ex-senador
Suplicy, representante talvez extremo de um grupo grande de nostálgicos do
século 20, está até feliz. Nunca viu o Estado tão perto de sustentar todo mundo
do nada como ele sempre sonhou. Há um mal disfarçado tom de comemoração também
em círculos engajados chiques que saúdam “a desaceleração de que a humanidade
estava precisando”. Ninguém sintetizou melhor que Luiz Felipe Pondé em artigo
para a Folha de ontem: “Perguntar por que os pobres não fazem quarentena é
perguntar por que não comem bolo, já que não têm pão” - o que põe esses
governadores que ameaçam “prender e arrebentar”, mais aquela imprensa que se
alinha automaticamente com toda e qualquer multa ou tapa na orelha mais forte
da “autoridade” contra os seus leitores no papel das nossas Marias Antonietas.
A quarentena, para todos os
efeitos eleitorais, seja como for, é jogo feito. Bolsonaro está “de mãos
lavadas” da responsabilidade para a qual, diga-se de passagem, ele não tem
alternativa que não seja temerária; os governadores vivem o seu momento de
onipotência e o lulopetismo olha de fora, esfregando as mãos, o circo pegar
fogo.
O problema é como sair vivo dela
e da maior recessão que o mundo já viu. Os novos miseráveis do Brasil não estão
em nenhum mapa e, portanto, não dão matéria. E intraprivilegiatura tudo vai na
santa paz de sempre. Enquanto “esquerda” e “direita” se esbofeteavam passou o
1.º round da desidratação das reformas onde a dificuldade sempre foi
identificar quem - governo ou oposição - esvaziou mais o balão do resgate do
favelão nacional da miséria para que não murchasse o que mantém a
privilegiatura pairando acima do que der e vier e, 2019 entrando, o aumento de
16,32% para toda a tchurma assinado pelo STF das lagostas e dos vinhos de “no
mínimo quatro premiações internacionais” até hoje não revogados. E, já sob
pandemia, tivemos a exclusão das reduções de salários do funcionalismo do
“Orçamento de Guerra” e o apedrejamento sumário do Plano Mansueto. Nada de
vender estatais e fechar ralos históricos. Os heroicos governadores que acusam
o povo indisciplinado pela pandemia aceitam, no máximo, um ano sem aumento para
mandar suas dívidas inteiras de volta para o favelão nacional com a Lei de
Responsabilidade Fiscal enfiada no mesmo saco. De passagem, liminar do
condestável Lewandowski manda junto o cadáver da reforma trabalhista ao
estabelecer que acordos entre patrões e empregados para driblar a crise só
valem se assinados por sindicatos.
Resta-nos rezar pela cura. Mas
esta interessa pouco à imprensa, como eu o convido a conferir lendo no
www.vespeiro.com a matéria que este Estadão recusou uma semana atrás.”
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