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quarta-feira, 27 de novembro de 2013

ENVELHECER ACONTECE




Por Carlos Sena (*)

Envelhecer não é problema. Até porque se houver problema não haverá solução, pois apesar das plásticas e das terapias alternativa de rejuvenescimento, envelhecer está na “conta” da vida de todos. Portanto, se não se evita o envelhecimento, é bem melhor envelhecer assumidamente. Dar um retoque no rosto, fazer um ”reparo ali, outro aqui” nada fora do contexto. O que fica feio mesmo é envelhecer e olhar no espelho sem se reconhecer – porque a cara já sofreu tanto refreamento que, belo dia, a própria pessoa pode se assustar ao não se ver no espelho.

Certamente que, como toda idade, há também encantos na velhice. Poucos é bem verdade, mas substanciais. Amar-se talvez seja a melhor regra para ser velho e feliz. Porque há jovens que são infelizes e, assim, a felicidade não está atrelada à idade. Descobrir-se feliz dificilmente não é coisa de momento. Normalmente um idoso infeliz o foi mesmo antes e a reciproca é igualmente verdadeira. Por isso é importante ter consciência do tempo por dentro e por fora – assim mesmo: o tempo que não passa por dentro, mas que por fora passa e nos provoca danos em nossa estética. Nessa lógica, um idoso mal “resolvido” sofre além da conta, pois ele vê a vida lá fora como sempre viu, mas as pessoas lá de fora não o veem como sempre viram. Administrar essas contradições não deve ser fácil, porque a velhice dificilmente vem sozinha: no geral, concomitante com as doenças, com as limitações, podem vir o abandono e a falta de carinho e de acolhimento dos familiares. Talvez seja essa a grande dor dos que envelhecem e tem que conviver com o abandono daqueles que um dia por eles foram criados.

Fato é que envelhecer não significa envilecer. Envelhecer nos dias de hoje tem infinitas vantagens (se é que podemos dizer assim) por conta dos avanços da medicina e de tecnologias importantes que ajudam na melhoria da qualidade de vida. Não obstante, as pessoas estão apostando mais em si mesmas e, de certa forma, rompendo preconceitos que no passado provocavam impedimentos no caminho da felicidade. Maitê Proença fez uma crônica acerca da idade avançada, usando o queijo Gorgonzola como metáfora. Ficou mesmo linda a sua retórica em cima do citado queijo – porque se trata de um produto caro e apreciado por muita gente fina, exatamente porque sua composição é adquirida no fungo envelhecido. O gorgonzola sem aquele fungo (tipo um mofo) perde seu charme e seu sabor – sabor que o mundo inteiro conhece e adora, principalmente com um bom vinho tinto seco. E ela conclui sua crônica: “Saibam: vou envelhecer até o ponto certo, como o Gorgonzola. Se Deus quiser, morrerei no ponto G da deterioração da matéria. Estou me tornando uma iguaria. Com vinho tinto sou deliciosa. Aos 50 sou uma mulher para paladares sofisticados. Não sou mais um queijo Minas Frescal, não sou mais uma Ricota, não sou um queijo amarelo qualquer para um lanche sem compromisso. Não sou para qualquer um, nem para qualquer um dou bola, agora tenho status, sou um queijo Gorgonzola”.

Portanto, acho que envelhecer acontece. Mas, dependendo de cada pessoa, não acontece como uma manga que cai do pé e se perde na ramagem. Acontece, como um grão de milho que sabidamente vira pipoca. Ou como nos dizia o Dom da Paz, “como cana que mesmo moída, trucidada, só sabe dar doçura”... Acontece como um queijo que não se contenta sendo de coalho, fescal, de manteiga, mas como um Gorgonzola. Acontece como o vinho que, quanto mais velho melhor...

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 01/10/2013

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