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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A NOITE É UMA "CRIONÇA"




Por Carlos Sena. (*)

Nunca entendi essa história de que “a noite é uma criança”. Muitas vezes, em serenatas ouvia dizerem repetidamente que “a noite é uma criança”. Eu acabei acreditando que, de fato, a noite seria mesmo uma “criança”... Hoje, descubro que não me convenci mesmo disto, porque lá fora, nas grandes cidades, a noite mete medo. Evidente que a noite tem seus mistérios e seu romantismo. Talvez seja pelo romantismo que se esconde em cada noite que se convencionou chama-la de criança. Insisto: a rigor, a noite é mais “crionça”, porque nela também se dizem serem os “gatos pardos”! Gatos e onças, como se veem casam muito bem e não nos parecem sintonizar com as noites, como os galos. Os galos, sim. Esses estão mais para as noites do que as crianças, embora saibamos que na lógica poética tudo possa acontecer, inclusive nada.

Acho mesmo que a noite deixou de ser criança. Talvez ela tenha crescido e, como adulta, logo assimilou as malandragens todas dos adultos, ou de boa parte deles. Lá fora, não está como outrora quando havia “galos, noites e quintais”... Ah, os tempos das noites em que a gente fazia seresta na porta de quem amava. Não precisava amar, mas, apenas imaginar que amava. Isso era o bastante para a gente comprar um barril de vinho carreteiro e se lascar todinho na porta da amada até amanhecer o dia. Nessa época, certamente a noite se comportava com uma criança – criança que em tudo achava graça e que por tudo se sentia feliz. Muitas vezes o violão desafinava, os cantores desafinavam ou eram totalmente afônicos, mas ela, a noite, perdoava tudo isso em nome da simplicidade de ser criança como se costumava acreditar. Hoje, andar na noite é um açoite. Medo é o que toma conta da “crionça”. Assaltos, sequestros, violências de toda falta de sorte – eis o que transformou a criança da noite em “crionça” dela mesma noite afora e dias adentro.  Assim, ficou mais difícil pra mim e pra muitos, compreender que essa tal de noite tem uma criança presa dentro de si. Mas, se de todo, a criança preferir ser da noite esse lirismo, que seja: no quarto dos amantes. Nas varandas dos apartamentos simulando uma seresta. Numa cidadezinha qualquer do Brasil que ainda subsista da natureza e esconda dentro de cada noite os mistérios todos que andar pelas ruas sem medo proporciona. Principalmente de noite, quando ela, certamente, acolhe nossas crianças presas dentro de nós... Pelo medo da violência das ruas sem mais estrelas pra gente vê-las e bebê-las num copo de geléia de mocotó Imbasa, cheinho de vinho, preferencialmente tinto seco... Ou o velho e bom carreteiro?

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 30/09/2013

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