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quinta-feira, 31 de maio de 2012

MORADOR DE RUA





Por Carlos Sena (*)

Acordei pensando no óbvio. Dificilmente a gente pensa nele pela sua própria natureza de ser cotidiano, de estar em nossa "cara". Discorrer sobre fatos ou notícias que estejam na mídia é prático e cômodo. Mas, há assuntos que estão no nosso dia-a-dia sem que se constitua em tema central que nos leve a uma crônica ou a um artigo literário. Por isto me deparei hoje pensando em quem mora nas ruas. Principalmente porque sabemos que há milhares de concidadãos que lá “residem” – entre aspas, mas é assim que temos que nos referir.

Quem tem seu canto, sua casa, por mais simples e humilde que seja sabe como é bom acordar sob guarda da nossa própria privacidade. Soube que Carlos Drummond utilizava muitas das suas crônicas para discorrer sobre assuntos aparentemente sem atrativos. Longe de nós querermos imitá-lo, mas sua lembrança me veio em função do que agora quero focar: OS MORADORES DE RUA. Como será pra eles “morar em casa” como nós? Como administram o tempo vagando pelas calçadas? Qual critério usam para pernoitar nessa ou naquela calçada? Como fazem cocô, xixi, pois nem todos o fazem nas ruas? Como veem TV? Como visitam seus amigos, pois quem mora nas ruas tem amigos e quem tem amigos faz visitas! Nesse levantamento de possibilidades, lembro-me de um morador de rua que me abordou angustiado me dizendo que roubaram seu radinho de pilha! Penso que o radio de pilha seja o mais fiel companheiro dos que na rua residem! Na verdade, sem morar na rua, adoramos o rádio e suas possibilidades de ligação com o mundo. Não vivo sem um radinho de pilha por perto, mas tenho um TABLET da Apple que nunca sequer utilizei... Ironia da vida? Talvez.

Afora os aspectos de moradia, alimentação e higiene íntima, outros aspectos me vêm no bojo dessa elucubração: os seus sonhos! Eles estariam ali porque houve sonhos destruídos, nunca sonhados ou simplesmente inexistentes pela simbologia da loucura? Na rua, a gente sabe, misturam-se moradores em condições normais por falta de moradia e políticas públicas de habitação, mas há os loucos – aqueles para quem a realidade social não coube nas suas mentes e eles certamente romperam com o socialmente estabelecido pelos humanos ditos normais. De longe somos todos iguais, mas de perto ninguém é normal, já nos alerta o poeta Caetano Veloso. Assim fica fácil imaginar que há loucos morando nas ruas, mas talvez haja muito mais pessoas loucas residindo em casas e apartamentos. Neste sentido conforta saber que há uma linearidade nos dois tipos de residências: nós, os “metidos a normais” que residimos “dignamente” e eles, os da rua, para quem o céu é o limite e o horizonte é a dimensão da sua liberdade. Não sei se quem mora na rua tem vontade de alternar conosco abrindo mão da liberdade que o mundo lhe confere. Contudo, nós, muitas vezes, gostaríamos de ter o mundo aos nossos pés e sair por aí administrando nossa sanidade e nossa loucura até que um dia a humanidade se redefina pra melhor...

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 21/05/2012

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