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sábado, 3 de maio de 2014

RESTODONTÊ




Por Carlos Sena. (*)

O mundo moderno sofistica muita coisa sem necessidade. Talvez pela lógica consumista do capitalismo. As gerações mais novas ficam maravilhadas com certas coisas repaginadas, refeitas com novos rótulos e vendidas pelos "olhos da cara" como se novidades fossem. Nada contra novidades, nem contra certas coisas boas que a sociedade de consumo nos apresenta. Mas, tudo a favor da simplicidade, do valor das pequenas coisas e dos pequenos gestos.

Por melhor que seja um café solúvel, nunca substituirá um café fresquinho passado no coador. Já imaginou juntar a família num fim de tarde pra um café e trazer para a mesa um vidro de Nescafé e uma garrafa de água quente? Geralmente nas mesas super fartas dos hotéis a gente percebe que não aguentaria muito tempo degustando aquilo tudo. O velho feijão com arroz feito em casa faz falta. Já imaginou que os pudins sofisticados não substituem o velho pudim de leite Moça? E o pão com manteiga no café da manhã com um bom cafezinho coado no coador? Tudo bem que os iogurtes são bons e vaiados, mas eles não passam de uma derivação da nossa tradicional coalhada. Tem gente que adora falar nomes sofisticados para comidas idênticas. Há até uma brincadeira vernacular para comidas que a gente guarda de um dia para o outro na geladeira: "restodontê". Quando falamos isso logo as pessoas se interessam em saber de que comida estamos falando. Mas, de fato, estamos falando de "restos de ontem"  - restodontê. Lembra o casulè - tradicional iguaria francesa que nada mais é do que uma versão diferenciada da nossa dobradinha.

No rol gastronômico, a sociedade de consumo tem avançado no que pode e não pode para modificar a natureza. Adoçante que não é açúcar, sal sem sódio, gordura que não é gordura, leite em pó, café sem cafeína, etc. No tom poético da vida, estimula mãos sem prática de afeto, dedos para apertar gatilho, lábios para sustentar cigarro de maconha, bocas para palavras loucas, sexo para as ficagens! Quando a questão é a música os jovens deliram quando ouvem uma música dos anos cinqüenta em arranjos modernos interpretados por um ídolo da moda.

O melhor de tudo isso é que, gradativamente, os jovens vão se "tocando" acerca das verdades e dos mitos da sociedade de consumo. Que há muita coisa boa não se duvida. Mas que há muita baboseira, também não se questiona.

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 22/03/2014

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