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sexta-feira, 23 de maio de 2014

CONVERSA FÚNEBRE




Por José Antonio Taveira Belo / Zetinho


O ônibus estava lotadíssimo. Gente em pé se equilibrando a cada marcha dada pelo motorista. Reclamações, xingamento, pedidos de desculpas, acontecia. Sentou-se ao meu lado uma senhora gorda que tomou todo assento me espremendo contra a lataria do ônibus. Ajeitou-se, tomou a sua bolsa e colocou no colo e disse: Sabe de onde eu venho? Claro que não, respondi. Pois é meu caro passei o dia todinho embrulhada com a regularização de documentos em cartório, pela morte do meu marido, Marcelo, que faleceu nesta madrugada. Estou correndo feita barata tonta, desde logo cedinho. Manda tirar Xerox dos documentos dele, identidade, CPF, o diabo a quatro. E lá estou eu feito uma desmiolada correndo de um lado para outro. Meu marido se sentiu mal nesta madrugada, pensei que fosse coisa atoa, pois este caso já acontecera anteriormente e levado para o hospital apenas recomendação medica. Se cuide. Ande, faça algum exercício. Não ligava para conselho médico nem do meu. Quando lembrava a ele, dizia – se meta com a sua vida, deixe a minha. Sou maior de idade e sei me cuidar! Fumava demais. Duas carteiras diárias. A casa esta impregnada do cheiro (fedor) da nicotina do cigarro.  A bebida deixou um pouco mais quando bebia era coisa pra cinema, dançava, gesticulava, deitava-se e ali dormia. Aposentado, pela manhã a ressaca era terrível. Dor de cabeça. Cansaço. Tomava dois Sonrisal e deitava novamente. Lá para o meio dia, levantava-se. Ia a geladeira tirava uma cerveja ou tomava uma dose de uísque e dizia – é para acalmar os nervos. Não adiantava conselho.  Cansei meu caro, de dizer a ele para deixar o vicio, pois a idade já não combinava com aquele exagero. Mas, qual? Dizia – vou morrer de qualquer jeito então vou aproveitar a vida. Tinha sessenta e cinco anos. Podia viver mais, mas não quis e agora estou nesta encrenca de arranjar documentos para o seu sepultamento. O atestado de óbito ainda não saiu. Deve sair lá para o fim da tarde. Meu caro sabe, não gosto de ver defunto. Não gosto de cemitério, isto desde pequena. A vez que fui a um sepultamento foi de minha mãe e do meu pai e de lá para cá não mais pisei no campo santo, como diz os mais velhos. Fui até o velório em Santo Amaro, mas não passei uma hora, pois, uma agonia tomou conta de min. Ali estava inerte o Marcelo, mãos cruzadas com um terço marrom entre os dedos, colocados pelo seu filho Manoel, Olhos fechados, semblante sereno, como já estivesse preparado para aquele momento. A aliança de ouro tirei do seu dedo antes do sepultamento, esta aqui comigo. Mostrou. Quatro velas rodeava o caixão ornamentado com flores branco, como se fosse virgem. Alguns familiares ali estavam, ora conversando outros sentados. Alguns faziam anos que não nos visitavam, mais na hora da morte ali estavam para justificar a sua ausência enquanto vida. Depois da morte o que valia? Diga? Lá estava eu calado. Mesmo sem querer ouvia aquele lamento. O que mais me admirou nesta manhã lá no velório, disse a gorda senhora, foi o Otavio, um irmão que nada valia, pois era arredio em brigara por uma herança. Você morre torna-se bom. As virtudes aparecem, de repente. Os erros cometidos são escondidos ou mesmo ignorados. Eu não! Marcelo foi um homem muito bom, porem, tinha os seus defeitos como todos nós temos. Gostava da farra. Gostava da noite. Gostava dos bares. Muitas vezes chegou à casa bêbado. Quantas e quantas vezes isso aconteceu. Centenas, nestes trinta e cinco anos de casado. Pois é meu caro até para morrer se paga e o valor cobrado estão os “olhos da cara”.  A funerária não brinca em serviço. Cobra e cobra mesmo, não quer saber se se tem o dinheiro ou não. A família que se vire para pagar ou então enterrasse com indigente. Mas, nesta hora aparece dinheiro, toma-se empréstimo, mais o defunto é enterrado decentemente, pois caso contrario a viúva é a próxima, pois os comentários de amigos e vizinho e da própria família são horríveis. O ônibus deslizava pela Avenida Carlos de Lima Cavalcanti, parando ali e acola. Descia e subia gente no coletivo e já diminuíra os passageiros dando uma folga aos que ali se encontravam. Ao chegar à Avenida Fagundes Varela, a senhora pediu parada e desceu, antes pedindo desculpas para o “seu moço” por ter me alugado durante a viagem, com coisa que não me dizia a respeito. Até logo, disse. E, eu disse para mim - Descanse em Paz, Marcelo!

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