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quarta-feira, 24 de junho de 2015

A Beleza Cruel das Fogueiras Juninas




Por Jameson Pinheiro (*)

A origem das fogueiras de São João remete à tradição cristã de haver Isabel, mãe de João Batista, ter prometido a Maria, mãe de Jesus Cristo, acender uma fogueira no cume de um monte, para avisar quando João nascesse. Ela também prometeu que ergueria um mastro próximo à fogueira, colocando nela uma boneca, dando origem a outra tradição, a da bandeira do santo.

Minha infância e adolescência foram cercadas de fogueiras no mês de junho. E até hoje a tradição se mantém. Durante a infância eu as curti. Onde morava, não havia calçamento. Era rua de barro, própria para as brincadeiras que eram o terror de quem lavava nossas roupas e muito apropriadas para a existência de fogueiras, neste mês. Lembro minha tia partindo para roça e voltando com uns feixes de lenhas próprias para cozinhar o feijão e queimar nas fogueiras. Nesta época as idas e vindas eram mais acentuadas.

Eu nunca tive recursos para a compra de fogos sofisticados, como vulcões e chuvinhas coloridas, que via de passagem pelas casas do centro ou perto dele. Mas, uns “traques de massa”, um “beijo de moça” ou um “estalo de bebê”, minha avó me dava. O que ela não me dava era uma “roqueira” mas, nunca deixei de ter uma. Era muito fácil de fazer. Explicarei para os ignorantes de hoje. O material era um prego, um arame, uma peça de torneira velha (aquele que fica dentro da torneira e que tem um buraquinho onde entra a carrapeta) e muita engenhosidade. Não minha, porque a tecnologia para sua produção era conhecida de qualquer menino, naquela época. Havia inclusive outras “roqueiras”, feitas de ferro, dizem, por Pai Tomás, mas destas eu não usava. Ligava-se o arame ao prego e a peça de uma forma que podíamos pegar no arame e ao colocar o prego no buraco da peça podíamos balançá-los e bater numa pedra ou no meio fio, quando na rua havia. Dentro do buraquinho colocávamos pólvora e o atrito entre o prego e a peça da torneira gerava um som de explosão que variava, principalmente com a quantidade de pólvora utilizada. Espero tenham entendido, se não, vejam o que aconteceu num dia destes de junho.

Encontrei com o Oswaldo (penso era este o seu nome) enquanto ele preparava sua “roqueira” para a ação. Estava na fase de tirar a pólvora de um “beijo de moça” para colocar na "roqueira". Cheguei perto e perguntei: Oswaldo, tu não achas que esta pólvora está demais, não? Ao que ele respondeu em silêncio, com um não, continuando o que vinha fazendo. Colocou toda o pó preto dentro da “roqueira” e não se conteve, começando a calcar a pólvora com o prego, dizendo que era para o estrondo ser maior. A sensação que tive na época foi aquilo que hoje sinto quando o Irã ameaça o mundo construindo bombas atômicas, ou quando, naqueles filmes da TV alguém começa a fazer algo muito perigoso, e eu digo mentalmente: Isto não vai dar certo. O que vi minutos depois, ainda hoje, não gosto de lembrar. No entanto, nem só de coisas bonitas vive o São João. Simplesmente, depois de um estrondo, vi o dedo polegar do meu amigo pela metade e o sangue cair no chão como uma torneira pingando. A partir deste dia botei minha “roqueira” no saco e nunca mais a vi.

Outra vez, vi o Joaquim. Era marido de uma tia minha, e morava em Recife ou em Paulista, não lembro bem, só sei que era prás bandas do litoral. Neste São João ele estava em Bom Conselho. Uma pessoa alegre e brincalhona, contador de lorotas e bravatas além de uma exímio jogador de dominó. Pelo menos, penso que foi ele que me introduziu no vocabulário do “lai-lou”, que é a situação onde se ganha no dominó combinando as duas cabeças. A partir de Joaquim, bater “lai-lou” era uma glória. Numa noite, já tarde, quando a fogueira já estava em brasas, ele inventou que poderia andar sobre estas brasas sem se queimar. A fogueira dos santos tinha algo mágico, ele dizia, que a concentração e mais umas rezas que ele sabia, fazia com que a dor sumisse quando do contacto com o fogo. Óbvio que todos o incentivaram a fazer a proeza, tirando as espigas de milho das brasas, já com um tom de dourado, quase prontas para comilança.

O Joaquim chegou perto da fogueira, baixou a cabeça, fechou os olhos, balbuciou algumas palavras enquanto mexia de leve nas brasas, ora com um pé ora com o outro. Alguns minutos depois começava ele a caminhada pela fogueira. Primeiro passo, segundo passo, terceiro passo e cada um maior e mais rápido do que o outro. Aqui quebro a narrativa para dizer que me lembrei do nosso conterrâneo Carlos Sena atravessando o açude de seu Liro, quando ele diz que ao chegar ao meio do açude deu um certo medo mas pensou, para voltar vai levar o mesmo tempo que continuar em frente, foi em frente e teve a glória da travessia. O mesmo deve ter ocorrido com o Joaquim naquele dia, os pés estavam queimando mas, ao chegar ao meio ele, a la Carlos Sena, decidiu ir até o fim da fogueira. Ganhou assim os gritos e aplausos que abafaram o seu grito de dor e talvez compensaram as bolhas que vi no dia seguinte nos seus pés.

E as belezas das festas juninas continuam com outra cena por mim presenciada, ainda quando criança, e se deu quase de frente da casa de seu Abelardo, marido de dona Gilda, ou, parece até que foi defronte da Alfaitaria de Antonio da Tupi. Um menino, mais ou menos da minha idade, nunca soube o seu nome, soltava “cobrinhas”, aquele troço pequeninho que encosta no fogo, você sacode e ele sai correndo com um rabo de fogo. Já adulto, vi que em algumas cidades fazem umas “cobrinhas” bem grandes e as chamam de “espadas”. A brincadeira é não correr daquelas coisas perigosas. No entanto, como não existe fogos de São João sem risco, naquele dia o menino ao jogar uma “cobrinha”, propositalmente ou não, ela foi direto no tornozelo de uma garota que também brincava com fogos. Sei que a menina, que não morava por ali, se contorcia em dor, enquanto o menino sumia. Chegou uma senhora, não sei se sua mãe, pediu água na casa de seu Leopoldo, que consertava relógio, e que, por muito tempo depois passei defronte a sua casa, quando ia trabalhar. Uma de suas filhas trouxe algo e aliviou a dor da garota. Enquanto isto, Dona Iramir, esposa de seu Leopoldo, aparecia na porta e perguntava: Cadê o menino? Será que foi o Teofinho de seu Marçal? Não sei se o menino era o Teofinho ou se foi punido. Não deveria, São João sim.

Termino dizendo que enveredei pelas coisas cruéis que podem acontecer neste período de fogueiras e fogos. Isto não quer dizer que não haja coisas boas como aquelas que descreveu o Gildo, no seu casamento matuto (aqui) aqui mesmo neste blog e no site de Bom Conselho, apesar do castigo que ele ganhou por comprar fiado. O nosso colega Cleómenes ainda pediu para falar da influência das fogueiras no aquecimento global, comparando-as com as queimadas da Amazônia. Assim também já era crueldade demais com o São João. Que ele mesmo escreva sobre isto. No entanto, seria prudente pensar mais na tradição dos mastros e das bandeiras.

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(*) Mais uma vez usamos o Jameson como nosso colaborador, em sua fase de escritor. O texto acima foi publicado no Blog da CIT em 23/06/2009, e não envelheceu. Li com fumaça nos pulmões das festas de ontem, e resolvi publicá-lo hoje aqui. E agora, que todos tenha um feliz São Pedro. E aja queimaduras!

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