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quarta-feira, 26 de julho de 2017

Doenças grandes, grandes remédios...




“Um caso de cura da nossa doença
        
Por Fernão Lara Mesquita

Há 100, 120 anos os Estados Unidos estavam numa crise muito parecida com a do Brasil de hoje. O fim da cultura rural, a urbanização caótica, a explosão da miséria e da violência nas grandes cidades, a descoberta da economia de escala esmagando o trabalho, as novas tecnologias (ferrovias) proporcionando a ocupação econômica de territórios virgens antes que houvesse regras para sua exploração, os robber barons que primeiro trilharam esses caminhos criando monopólios com ajuda de políticos corruptos e levando a patamares nunca sonhados o poder de subornar...

Com o problema e suas causas essenciais diagnosticados, o remédio, formulado na legislação antitruste para impedir a criação de monopólios, não era ministrado por um sistema tomado por caciques que controlavam havia décadas as portas de entrada da política e do serviço público. A separação dos Poderes, a independência de um Judiciário também venal, a blindagem dos mandatos, todas as instituições criadas pelos fundadores para garantir a hegemonia da vontade popular estavam sendo usadas para anulá-la. A expressão da vontade dos eleitores exclusivamente por meio de canais de representação, combinada com a intocabilidade dos mandatos, tinha sido pervertida em garantias de impunidade contra a falsificação dessa vontade. Ia morrendo numa odiada tirania da minoria o sonho do governo do povo, pelo povo e para o povo.

As esperanças começaram a renascer com o movimento Progressista (1890-1920), que se inspirava no modelo suíço de recurso a ferramentas de democracia direta para contornar instâncias de representação recalcitrantes. O foco concentrou-se em dois instrumentos importados e uma adaptação nacional. Os direitos de referendo das leis dos Legislativos municipais e estaduais e de propor leis por iniciativa popular, como se fazia nos cantões suíços, para criar um acelerador para forçar reformas e um freio contra leis viciadas por interesses espúrios. Eleições primárias diretas para neutralizar o primeiro foco de acordos contra o direito de escolher, que estava no poder dos caciques de decidir quem podia ou não se candidatar. O recall, ou retomada de mandatos a qualquer momento por iniciativa popular, viria mais adiante para quebrar resistências. O objetivo era “manter a opinião pública sempre em posição de ascendência sobre as instituições de representação para amarrá-las concretamente à vontade popular”.

Por aquela mesma altura o jornalismo americano passou por uma revolução com o surgimento da revista McClure e seu jornalismo investigativo em profundidade revolvendo a sujeira (muckraking) da política, desmascarando os robber barons e seus métodos de ação e indicando os remédios contra a institucionalização da mentira. A matéria de Ida Tarbell sobre Rockefeller e seus esquemas com as ferrovias, que tinham “departamentos de política” exatamente semelhantes em métodos e propósitos aos das nossas odebrechts e JBSs, tornou-se um ícone desse novo jornalismo. E a circulação saltou para a casa dos milhões de exemplares.

Em 1901, o presidente McKinley é assassinado antes da posse e Theodore Roosevelt – um outsider que entrara para a política para desafiar “o sistema”, fizera fama em Nova York desvendando grandes esquemas de corrupção e, por ter sempre desafiado os velhos caciques republicanos, havia sido “contemplado” com a Vice-Presidência, numa manobra para tirá-lo da eleição presidencial de 1900 – torna-se presidente da República e passa a “governar com os jornalistas”, abraçando amplamente as reformas e procurando, com inédito sucesso, coordenar com eles a comunicação de suas investidas nesse campo.

São Francisco e Los Angeles tinham feito os primeiros ensaios e houve outras experiências em nível municipal, mas o movimento toma impulso decisivo ao se transformar em bandeira de luta do governo nacional. Em 1902 o Estado de Oregon inscreve em sua Constituição os direitos de iniciativa e referendo. Ali se estabeleceu o modelo de coleta de assinaturas que ficou nacionalmente conhecido como o “Sistema do Oregon”: 8% do eleitorado para qualificar uma lei de iniciativa popular e 5% para forçar um referendo. Com eles nas mãos, os eleitores foram construindo por ensaio e erro todo o resto da receita. Entre 1902 e 1913, 108 leis de iniciativa popular foram a voto no Oregon. A primeira delas para instituir as primárias diretas. Até 1915, quando a 1.ª Guerra Mundial esfriou o movimento, outros 15 Estados haviam adotado o modelo. A Califórnia foi o primeiro a incorporar o recall, em 1911. Isso acabou com as resistências e consolidou a revolução.

Hoje nenhum servidor público ou representante eleito, aí incluídos os juízes, é estável em seu cargo ou em seu mandato e tudo é passível de ir a voto direto nos EUA. Seja tomando carona nas eleições do calendário normal (a cada dois anos, incluindo legislativas e majoritárias), seja por meio de eleições especialmente convocadas, leis de iniciativa popular, veto a leis dos Legislativos, cassação de cargos e mandatos são diretamente decididos pelos eleitores. Na última eleição para presidente a média nacional de quesitos nas cédulas foi de 72. Impostos, emissão de dívida, gestão de escolas públicas, temas ambientais, leis sobre usos e costumes, direitos do consumidor, regulamentos de negócios, salário mínimo, alimentação e agricultura, legislação penal, tudo pode ser proposto ou desafiado mediante coleta de assinaturas ou mecanismos automáticos impondo esse procedimento aos próprios Legislativos em assuntos sensíveis nos municípios e nos Estados americanos. Há mais de uma dúzia de modelos diferentes de ballot measures ou “medidas para votação” passíveis de ser incluídas na cédula da próxima eleição para um “sim” ou “não” dos eleitores.

Foi isso que pôs a política jogando a favor da nação, reduziu drasticamente a corrupção e fez dos norte-americanos o povo mais rico e mais livre da História da humanidade.”

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AGD comenta:

Ontem, neste mesmo espaço, falava sobre ideologia e sobre regimes políticos. Depois encontrei a matéria do Fernão Lara Mesquita, acima transcrita, e não tive com não ligar uma coisa com a outra. Pois o que a matéria diz é que se tivermos criatividade e vontade de agir no campo político as soluções aparecem.

Também, lembrei da operação Lava Jato como um fator importante (tal qual a luta contra os “robber barons” mencionada) para nos permitir mudanças no nosso comportamento. Mas, mantendo a comparação com os Estados Unidos, o nosso país talvez não possa fazer o mesmo, em termos de participação popular, porque, esquecemos, nos últimos tempos o valor do trabalho para obtenção do pão de cada dia.

Trabalhou-se muito nos direitos do povo, sem falar em deveres, mudando a velha música do Luiz Gonzaga que dizia que “uma esmola, ao homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”, através de benesses que parecem caídas do céu, mas são fornecidas por um Estado perdulário em direitos e mitigado em exigências de deveres.

Eu não conheço de perto a experiência americana de participação popular na vida política americana, mas, não é preciso tanta informação para saber que eles nos dão de muito na matéria. Basta lembrar o que lemos acima que não há cargos no setor público americano que não possam ser motivo de influência do poder popular, para ver o seu avanço.

Quanto poderíamos ter economizado de esforço e recursos com um sistema como o “recall” (retomada do cargo) adotado nas cidades americanas. Já pensaram na possibilidade do povo poder tirar do emprego, a qualquer tempo, um “juiz Lalau” ou “um governador Pezão”?


É bom refletir sobre estas coisas neste período de crise, pois é neles em que se tornam visíveis nossas necessidades e possibilidades de resolvê-la. Reflitamos, então!

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