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terça-feira, 5 de agosto de 2014

Zona Franca e o Jardim.




Por Carlos Sena. (*)

Hotel Monteirão. Bucólico, no centro de uma cidade "grande" por nome ARCOVERDE. Boa noite, cumprimentei o porteiro - um senhor com aparência cansada, passos lentos e voz trôpega. Deveria estar beirando os 80 anos (perguntei-me e não me respondi). Mal ele me ouviu, mas me deu boa noite. Tem vaga? Ele se virou e pegou um caderno. - Qual seu nome? Falei meu nome. Ele anotou e pegou uma chave com uma tabuleta e nela a numeração 104. Pode subir, disse o senhor. Mas, quanto é a diária? - Com ar ou sem ar? - Com ar.  Disse-me ( voz cansada e cara de sono) que era R$ 60,00 com ar e sem ar R$ 45,00. Com permissão, isso me lembrou de um puteiro em Manaus: um colega de trabalho estava lá comigo e, movido pelo seu instinto de macho (ou machucado) paquerou uma quenguinha que estava por perto se oferecendo. Como não era minha praia, fui pro meu hotel e ele foi com a rameirinha para uma pensão de quinta. Na portaria da pensão escura estava um senhorzão cochilando sobre um birô não menos velho e escorado por dois tijolos. Levantou os olhos em direção aos "pombinhos" e foi logo perguntando: "com som ou sem som"?. Meu amigo ficou sem saber responder, mas foi perspicaz e perguntou quanto custava "com som e sem som". Com som é dez, sem som é cinco real, respondeu. Pelo sim, pelo não, e pelo preço que não era caro em nenhuma modalidade pediu "com som". O "senhorzão" abaixou a cabeça e cavoucou debaixo do birô e arrastou de lá um radio AM. Entregou nas mãos do meu amigo e recomendou: o pagamento é adiantado e quando vortá traga o radio e a chave do quarto... Boas gaitadas demos juntos ao ouvir essa história histérica e histriônica de um puteiro na zona franca. E como era franca essa zona, literalmente franca. Depois fiquei me lembrando de um livro lindo de Garcia Marques MEMÓRIAS DE MINHAS PUTAS TRISTES. A historia se repetiria no mesmo naipe de putaria? Sei não. Melhor voltar para o hotel  Cruzeiro que é simplinho, mas decente.  Peguei a chave e subi um lance de escada. Mas o senhorzão se lembrou de me avisar antes de eu subir completamente: no final do corredor, após o jardim. Subi e, surpresa: um belíssimo jardim se descortinava no centro do hotel, no formato de pracinha de interior. Lindo. Por que não dizer belo? Adentrei ao quarto. Simplório e com uma decoração de gosto duvidoso, como se diz na moda brega toda. Mas, pra passar uma noite estava bom demais, pois era limpo, roupa cheirosa e chuveiro quente. Antes que o sono me pegasse pelo pé, matutei com meus botões e com meus zíperes e com meus colchetes: custava nada o porteiro ter me dito "o quarto com jardim é R$ 60 e o sem jardim R$ 45"? Puta que pariu, nunca pensei ver um jardim tão lindo perdendo feio para um ar condicionado... Fazer o quê? Melhor mimi nessa cama cheirosinha.

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 22/07/2014

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