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terça-feira, 29 de abril de 2014

CONSELHOS DE MÃE




Por Carlos Sena (*)

Dos conselhos que mamãe me dava um deles eu nunca me esqueci: "quem com porco se mistura, farelo come". Demorei um pouco a entender essa lição, pois tive a sorte, desde criança, de não conviver com "porcos" e, por consequência, não comia "farelo". Depois de grande, já no Recife, comecei a conviver com a natural pluralidade de pessoas nas diversa tribos. Percebi, então, que estava na hora de seguir à risca o conselho de mamãe. O grande problema era descobrir quem eram, naquelas tribos os que comiam feijão e arroz e os que comiam "farelo". Hoje, passada a fase em que eu corria risco de me misturar com as galeras do mal, vejo como é mais fácil para as atuais gerações se misturarem e comerem mais "farelo" do que feijão com arroz. Digo isso porque os jovens de hoje contam com o beneplácito da evolução tecnológica que, não raro, estimulam à vida fácil sem muito trabalho e na base do "levar vantagem em tudo". Por outro lado, nesse bojo entram as drogas que, no geral, vitimam pessoas que não tiveram a mesma ventura que eu é muitos, de ter uma mãe vigilante. E que não conhecia (minha mãe) essa tal de pedagogia moderna tão permissiva e tão pouco useira dos limites necessários a formação das pessoas.

Certamente que se "conselho fosse bom não se dava, vendia". Mas, conselho de mãe tem que ser levado a sério, porque elas não nos dão, apenas transferem pra nós (no DNA?) pela simbiose natural da relação. Ou não?

Quando ainda estudava o antigo “ginasial”, no Ginásio São Geraldo, ganhei de um colega de turma, João Lisímaco, uma caneta esferográfica novinha. Dessas, tipo Bic que hoje a gente perde ou a deixa em qualquer lugar e nem liga. Na época era o máximo aquela canetinha. Quem tinha uma delas era considerado rico e João estava nessa conta, mas era meu amigo e colega de fé. Talvez por isso tenha me dado aquele presente que eu, encantado, cheguei em casa mostrando a mamãe. Pensando que estivesse “arrasando” levei logo uma bronca dela e, em seguida, a pergunta: “quem lhe deu essa caneta”? – Foi João Lisímaco, respondi. Ela nem titubeou. Pegou pelo meu braço e me arrastou para a casa de Dona Primavera, a mãe de João. Primavera era muito amiga de mamãe, mas se assustou quando viu mamãe adentrar em sua casa comigo junto e perguntando: “Primavera, João está aí”? Nisto João veio e ela fez a pergunta fatal: “foi você quem deu essa caneta a Carlinhos”? – Foi, dona Pretinha, respondeu. Diante disto, e tudo esclarecido, mamãe volta comigo pra casa, mas completa sua ladainha em forma de “conselho”: “se chegar em casa com qualquer coisa você que não seja sua vai ter que me dizer direitinho quem lhe deu, e se não me disser vai pro cacete” (grifo meu).

Hoje, tanto tempo depois, eu me lembro dessa história com muito carinho. Lembro, inclusive, que meu amigo querido João faleceu precocemente. Mamãe está com 84 anos e muito lúcida e muito feliz. Seus filhos podem ter vários defeitos, mas a honestidade foi por ela passada pra nós com muito rigor. O melhor disso tudo é que hoje não temos problemas de frustrações, nem recalques ou coisas semelhantes. Aprendemos, dentre outras lições, que o que é dos outros não nos pertence – e seguimos repassando isso aos que nos cercam como sobrinhos, parentes ou aderentes. O melhor disso tudo é saber que essa atitude enérgica de minha mãe pode hoje ser condenada pelos pedagogos de plantão. Mas, de uma coisa a gente não pode esquecer: contra fatos não existem argumentos, pois nesse quesito, todos os meus amigos contemporâneos tem idênticas posturas – certamente, suas mães são do mesmo time da minha.

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(*) Publicado no Recanto de Letras em 19/03/2014 em dois textos 1 e 2. Como são todos conselhos de dona Pretinha resolvemos publicar em um só texto. Desculpas ao autor, um dos melhores colaboradores do nosso blog.

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