“Fogo no circo
Por Eliane
Cantanhêde
Se o Judiciário
fez um mutirão para apagar o incêndio causado pelo desembargador Rogério
Favreto, do TRF-4, o Legislativo pôs fogo nas contas públicas e queimou a
largada do próximo governo, seja quem for o presidente. A sociedade civil e os
quartéis estão indóceis com tanta fumaça.
O cerco contra
a tentativa de soltar o ex-presidente Lula à custa do descrédito do Judiciário
(como acusa Raquel Dodge) incluiu Sérgio Moro, Gebran Neto, Thompson Flores,
Cármen Lúcia, Raul Jungmann, PF, Laurita Vaz e a própria Raquel. Não seria
surpresa se, nos bastidores, também a cúpula militar.
Destaca-se
Thompson Flores, eixo da reação ao habeas corpus dado por Favreto contra o
TRF-4, o STJ e o Supremo. Como presidente do TRF-4, ele falou com Moro, que
agiu após consultá-lo; com o relator Gebran Neto, que desautorizou Favreto; com
a PF, via Jungmann, que esperou a solução do conflito de competência antes de
agir; com Cármen Lúcia, que reafirmou em nota a hierarquia. E foi dele a
negativa final.
A presidente do
PT, Gleisi Hoffmann, previu que “ia morrer gente” se prendessem Lula e ninguém
morreu, o País manteve a normalidade e as ruas vazias, apesar da dramaticidade
da prisão de um homem com a biografia e a popularidade de Lula.
E agora? E se
um único desembargador, que foi filiado ao PT por 20 anos e serviu a Lula no
Planalto, soltasse Lula em uma hora, a pedido de três petistas, com alegações
risíveis e sem consultar ninguém do seu próprio tribunal? Poderia não morrer
gente nem lotar as ruas, mas o clima institucional ficaria irrespirável.
Líderes civis e militares sofreriam imensa pressão.
Soltar Lula por
maioria colegiada e argumentos sólidos, assim como absolvê-lo por falta de
provas na ação por obstrução de Justiça, geraria chororô nas redes sociais, mas
seria respeitado nas instâncias decisórias dentro e fora do Judiciário. Mas uma
canetada monocrática? Num plantão de fim de semana? É inadmissível, como
concluiu toda a cúpula do Judiciário.
Enquanto isso,
o Congresso perdeu todos os pruridos e aproveitou a última semana antes do
recesso para por fogo no circo, esse circo em que os brasileiros que produzem,
geram empregos, trabalham, estudam e precisam de escolas e hospitais é que saem
chamuscados.
O ataque às
contas públicas foi brutal, de até R$ 100 bilhões, segundo o Estado. Deputados
e senadores criaram novos municípios (e novos vereadores...), obrigaram aumento
ao funcionalismo, jogaram o custo dos “gatos” nas contas de luz e deram anistia
a transportadoras e caminhoneiros que explodiram a recuperação econômica. Na
farra, deram até benefícios fiscais à produção de refrigerantes na Zona Franca
de Manaus.
Significa
aumento de impostos e destruição das chances do futuro presidente já na posse.
Com quatro anos consecutivos de déficit fiscal, previsão de crescimento caindo
mês a mês e 13 milhões de desempregados, a ação do Congresso é de uma
irresponsabilidade histórica, grave, irritante.
Os
presidenciáveis gritaram? Não, porque a prioridade deles, neste momento, não é
o País e a própria governabilidade, mas a vitória em outubro. Ou seja, é hora
de negociar e atrair partidos e políticos, não de botar o dedo na cara deles,
dizer cobras e lagartos e chamá-los à razão.
A diferença
entre o que houve no Judiciário e no Legislativo na semana passada é que, em
um, um único desembargador ameaçou toda a credibilidade da Justiça e foi
rechaçado energicamente pelos demais. No outro (o Legislativo), quem ateou fogo
foi a maioria, com a minoria responsável esperneando inutilmente.
A chance de
inverter essa maioria no Congresso será nas eleições de outubro, mas, sinceramente,
é muito difícil manter qualquer faísca de otimismo.”
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AGD
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