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sexta-feira, 23 de junho de 2017

Princípios, interesses e realismo constitucional




“Princípios e interesses

Por Murillo Aragão

Todas as nações mais ou menos organizadas funcionam com base na inter-relação entre princípios e interesses. Princípios são o conjunto de normas, regras e leis que orientam um país. Também incluem valores, concepções e conceitos que servem de marco para a sociedade funcionar. Os princípios escritos geralmente estão registrados na Constituição, documento fundamental. Em política, interesse seria a animus de interferir no processo decisório em favor de causa que lhe seja necessária, importante ou lhe traga vantagem. Não necessariamente ilícita ou imoral.

Cabe ao Estado administrar os conflitos de interesses da sociedade com base nos princípios constitucionais. A administração desses conflitos é essencial quando o interesse privado se contrapõe ao interesse coletivo de maneira a desviar a função pública em favor de algum privilégio.

Não há nada de mais em defender os próprios interesses de forma lícita. É um direito assegurado pela Constituição, e isso não deve ser interpretado como algo intrinsicamente negativo nem malévolo. Desde que ocorra à luz do dia e com igualdade de condições frente aos demais interessados. A defesa de interesses é componente fundamental para se contrapor tanto à hegemonia do Estado quanto à hegemonia de determinados setores.

No Brasil, temos vários princípios inscritos em nossa Constituição. Eles são, basicamente, os seguintes: os direitos civis e políticos; os direitos sociais, econômicos e culturais; fraternidade e solidariedade; o direito à propriedade; o direito à comunicação; e, ainda, o direito à democracia; ao pluralismo; e ao livre fluxo de informação.

Basta examinar nossos princípios para ter a certeza de que eles não estão prevalecendo em nossa sociedade. Não temos um livre fluxo de informação. Nossas eleições foram corrompidas pelo abuso do poder econômico. Temos sistemas previdenciários distintos para servidor público e trabalhador comum. Não temos assegurado o direito de ir e vir por conta da violência e/ou da precariedade dos transportes públicos, entre outras mazelas. Por quê? Pelo fato de os interesses específicos suplantarem os coletivos e, sobretudo, os princípios que deveriam fundamentar o funcionamento da nação. Nesse sentido, dois aspectos saltam aos olhos.

O primeiro é o tamanho do Estado, que é regulador, legislador, financiador, arrecadador, consumidor e, de longe, o maior ente econômico da nação. O Estado, no Brasil, é muito maior que a sociedade, quando deveria ser o contrário. O estado no Brasil cresceu para atender os seus interesses. São empresas estatais e empregos públicos demais. E contrapartidas de menos para a sociedade.

O segundo aspecto reside no funcionamento desse Estado, que se baseia na opacidade e no privilégio de interesses que o corrompem. São os interesses de segmentos empresariais e do funcionalismo público, ambos igualmente poderosos. Estados estão quebrando tanto por conta da corrupção quanto pelo gasto excessivo com folha de pagamento e aposentadorias. Com processos decisórios opacos, as oportunidades não são adequadamente oferecidas. Daí a criação de campeões nacionais escolhidos a dedo na roda da fortuna da promiscua relação entre corrupção e política.

E por que acontece isso? Por imensas distorções que remontam à invenção do Brasil como nação. Pela precariedade de nossa participação no processo político. E, especialmente, pela grave deficiência de nosso sistema educacional, que forma consumidores e não cidadãos.  Não temos noção do que são os princípios que nos devem orientar. Em consequência, não sabemos quando e como devemos cobrar do estado a adequada postura na defesa do interesse coletivo. Delegamos a defesa do interesse coletivo para entes que, muitas vezes, atuam de acordo com suas agendas corporativistas. Tampouco é adequado. Enfim, é um longo e penoso aprendizado.”

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AGD Comenta:

O autor do texto que vocês leram é um conhecido cientista político. O texto é tão didático que até um leigo, como eu, entende seu linguajar. O cotejo entre princípios e interesses é estudado desde a antiguidade, e se remete aos interesses de cidadãos, escravos e mulheres nas cidades gregas.

Com o advento do Estado moderno e a explicitação de princípios em livros que se chamam Constituições, há uma tendência a se valorizar os princípios mais do que os interesses dos cidadãos.

Os que tem uma formação na área econômica sabem que esta distinção deve ser bem trabalhada para não cairmos no conto dos “princípios grátis”, pois quase todos eles geram os chamados “direitos” que quase sempre são base de interesses e que só podem ser garantidos com uma boa base econômica. Ou seja, em casos dos direitos materiais, como, por exemplo, a educação e informação citados pelo articulista, não há como satisfazer “princípios” sem o respaldo de uma grande base produtiva que ofereça o mínimo de “pão” as pessoas. Ou melhor dizendo no caso: “Não há livros grátis!”

E, alguns economistas lutaram pelo princípio de que é dos interesses do homens que nasce as maiores conquistas materiais e não de um princípio gerado pela sociedade. Este é o ponto crucial dos sistemas econômicos modernos, que, depois de um susto socialista, no século XX, está cada dia seguindo o princípio dos sistema capitalistas onde há uma primazia maior dos interesses individuais.

Neste caso, a tarefa dos Estados é zelar para que estes interesses não descambem para o mal, formando um aparato de leis que protejam as ações e estimulem a vontade de produzir, segundo seus gostos e desejos. Quando este estado passa dos limites, em termos de tamanho, em nome de princípios que não se sustentam de pé sem a base econômica, vemos o que hoje temos na Venezuela e mesmo no Brasil, em que nos tornamos.

Em grande parte nossa Constituição é culpa de nossas mazelas. Talvez ela tenha sido feita num período, saída de uma ditadura, que, para se obter apoio para ela, prometeu-se mais do que se deveria fazê-lo. No entanto, é o que temos de resto para sermos uma nação civilizada.


O que se espera é que o Brasil sobreviva à tormenta que hoje se abate sobre nós, e possamos, fazer outra Constituição, saindo de um período de mais liberdade e também de mais realismo naquilo que possamos prometer ao nosso povo em matéria de princípios e de direitos. Neste momento, não é hora nem de remendar a velha, quanto mais de criar uma nova. Só nos resta ser otimista.

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